Raízes econômicas do bloqueio das estradas brasileiras

*Gilmar Lourenço

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Professor Gilmar Lourenço

O bloqueio de trechos das rodovias federais e estaduais brasileiras, promovido pelo movimento dos caminhoneiros, absolutamente legítimo, que ameaça paralisar a economia do país, traduz a verdadeira asfixia sofrida pelo setor de transportes, em consequência “também” da disparada dos preços dos combustíveis desde o segundo semestre de 2017, por conta da decisão da estatal de petróleo de voltar a praticar reajustes em linha com o comportamento da cotação do barril do óleo no mercado internacional e da taxa de câmbio, com efetivo “viés de alta”.

Reconhecidamente, desde o começo do governo Temer, a Petrobrás vem procurando resgatar a aplicação de métodos contemporâneos de gestão de negócios, praticamente eliminada durante a partidarização da empresa, acontecida entre 2003 e princípio de 2016, e que foi essencial para a viabilização de negociatas e desvios de vultosos recursos para a cobertura das relações promíscuas entre executivo e algumas grandes empreiteiras, intermediadas por parcela do legislativo.

Tanto é assim que o valor de mercado da companhia despencou de R$ 510,3 bilhões, em maio de 2008, para R$ 101,3 bilhões, em dezembro de 2015, em razão da conjugação entre queda dos preços globais da commodity, escandalosos saques oficiais e controle populista dos preços dos derivados, das tarifas e do câmbio, visando à obtenção do bônus da inflação baixa. Enquanto isso, a dívida líquida da corporação subiu de R$ 138,0 bilhões para 309,0 bilhões, no mesmo período.

Nos dias atuais, valor de mercado e dívida da estatal perfazem aproximadamente R$ 360,0 e R$ 81,0 bilhões, respectivamente, evidenciando flagrante recuperação de resultados, graças aos aprimoramentos gerenciais e, fundamentalmente, à impulsão dos preços internacionais do barril de petróleo, que passaram de US$ 37,0, em fins de 2015, para cerca de US$ 80,0, no presente.

Nesse particular, a ainda parca transparência reinante na companhia trava a veiculação de relevantes informações, a saber: que os custos de produção do petróleo nacional correspondem a menos de 1/3 do importado, a nação já atingiu a autossuficiência e a produção doméstica é, em grande parte, exportada porque a esmagadora maioria das refinarias nacionais não consegue processar o óleo mais pesado.

Contudo, há outras duas variáveis a serem consideradas na equação dos caminhoneiros. A primeira engloba a elevada carga tributária incidente sobre toda a cadeia produtiva setorial, líder em receitas indiretas, que serve para saciar o apetite arrecadador/gastador de diferentes governos, episódio facilitado por se tratarem de produtos de recolhimento e fiscalização previsíveis e possuírem demanda inelástica em relação à renda das famílias: na melhor das hipóteses, a retração do consumo acontece em menor intensidade do que a alta de preços.

A segunda anomalia, também pouco discutida, traduz a negligência oficial quanto aos abusos praticados pelo oligopólio da distribuição de combustíveis no Brasil, dominado por um reduzido número de grandes empresas estrangeiras e nacionais (entre as quais a BR), que exercem a função de fixadores de preços, perseguindo a multiplicação de suas margens de rentabilidade, independentemente do comportamento do mercado. Em contraposição, figuram os produtores agrícolas, industriais e varejistas – com diferentes escalas de produção e de custos – e consumidores, que assumem o papel de tomadores de preços.

Como se vê, a resolução do problema, na direção da obtenção de um realinhamento da estrutura de preços relativos em favor da redução estrutural dos preços de comercialização dos derivados de petróleo no país, passa, invariavelmente, pela combinação de alguns ingredientes, com ênfase para a implementação de conduta, por parte da Petrobrás, de precificação ancorada exclusivamente na matriz de despesas operacionais e financeiras; a compressão da cunha tributária; o desmanche do poder discricionário de formação de preços exercido pelas distribuidoras; e o conhecimento (e transparência na fixação) das margens praticadas nos diferentes elos da cadeia. Só isso.

*Gilmar Lourenço – Professor da FAE Centro Universitário

Economista do Ipardes

Fonte: Gilmar Lourenço

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