Desequilíbrios estruturais
Antonio Oliveira Santos
Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
O exame das Contas Nacionais indica que, na conjuntura atual, é evidente que existe, no Brasil, um excesso de gastos (consumo + investimentos) sobre a produção de bens e serviços, o que, necessariamente, acarreta um déficit em C/Correntes no Balanço de Pagamentos e uma pressão inflacionária.
Paralelamente, sabe-se que o Governo precisa realizar pesados investimentos para corrigir as deficiências da infraestrutura e viabilizar os projetos do Pré-Sal, assim como os da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Dessa forma, tendo que gastar mais em investimentos essenciais, deverá o Governo gastar menos em custeio e nos desembolsos dos juros sobre a dívida pública, o que, necessariamente, significará uma contradição em relação à política monetária de altas taxas de juros.
A preocupação com a inflação sugere duas ordens de providências: 1) saber de onde vem a inflação, quais as suas causas originais; e 2) decidir sobre o instrumento mais adequado para combater a alta de preços, ou seja, a política monetária ou a política fiscal.
Examinando as causas da inflação atual, não há dúvidas de que o principal fator é a alta dos preços das commodities no mercado internacional, derivada da forte demanda da China, da especulação nas Bolsas de Futuros, das calamidades climáticas na Austrália, Rússia, Índia, Canadá e Europa, bem como, no Brasil, pelo excesso da demanda agregada, alimentada principalmente pelos reajustes salariais, pelos gastos públicos e, com destaque, pela expansão do crédito fomentada pelo Governo, via BNDES, Banco do Brasil e CEF.
O resultado dessas observações indica que uma conjugação da política monetária com a política fiscal é necessária, partindo do pressuposto óbvio de que a solução para reduzir a demanda agregada e as pressões inflacionárias não pode ser encontrada, simplesmente, pela via da elevação da taxa SELIC. Pelo contrário.
Resumindo, tudo indica que uma estratégia eficiente para alcançar o objetivo de reduzir o déficit externo, conter as pressões inflacionárias e promover os investimentos básicos deverá contar com três ações principais: 1) a redução dos gastos de custeio do Governo; 2) a redução dos juros sobre a dívida pública; e 3) a redução do crédito, mediante elevação dos depósitos compulsórios dos bancos e moderação do ritmo dos empréstimos dos bancos oficiais, especialmente das instituições que trabalham com taxas subsidiadas.
Por outro lado, o aumento dos recolhimentos compulsórios já está fazendo sua parte e somente em dezembro/10 foram depositados no Banco Central R$ 65,3 bilhões.
Face ao exposto, pode-se concluir que, já no primeiro ano do Governo da Presidente Dilma Roussef, será necessária a promoção de criteriosos ajustes nos fundamentos da política econômica. No mínimo, deverá ser corrigida a lassiva política fiscal que vem sendo praticada nos últimos anos. Ou seja, nunca foi tão necessária a observância rigorosa dos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, inclusive pela Uniao.
O mesmo poder-se-ia dizer da política monetária. O objetivo primário do Banco Central é o controle do crédito e da liquidez. O montante de crédito no Brasil, nos últimos anos, vem crescendo de duas a três vezes acima do crescimento do PIB. Em 2010, o saldo dos empréstimos do sistema financeiro aumentou cerca de 20% (25% nos bancos oficiais), resultado absolutamente incompatível com o objetivo de manter a inflação ao redor de 4,5%. É quase um milagre que essa inusitada expansão do crédito não tenha se transformado, antes, em inflação, responsável por substancial parcela das pressões inflacionárias. Em verdade, a inflação não surgiu há mais tempo devido à valorização cambial e a alguns fatores externos, como, principalmente, à queda dos preços dos produtos industrializados, no mercado internacional, que influenciou a média dos preços brasileiros pela via das importações.
É uma verdade óbvia que o Governo precisa mobilizar fantásticas somas de recursos para financiar os investimentos essenciais e prioritários. Não pode, pois, ao mesmo tempo, financiar os gastos de custeio orçamentários e o consumo, como tem sido feito nos últimos anos, sem comprometer, definitivamente, os fundamentos da política econômica.
Por tudo isso, cabe perguntar: a decisão do Banco Central ao elevar a taxa de juros SELIC melhora ou piora as expectativas em relação à inflação?
Publicado no Jornal do Comércio
Fonte: CNC