Segundo estudos recentes, baseados em dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS), em 2009, o mercado mundial de títulos atingiu a marca de 91 trilhões de dólares, o que representou um crescimento de 10% sobre o ano anterior. Ainda não há números precisos para 2010, mas o crescimento deve ter sido considerável.
Esse mercado tornou-se uma importante fonte sistêmica de financiamento. Cerca de 70% dele (64 trilhões de dólares, tomando-se 2009 como base) é constituído por obrigações emitidas dentro dos países, e os 30% restantes são títulos internacionais, incluindo os subscritos em paraísos fiscais.
Em 2009, foram emitidos em todo o mundo novos títulos no montante de 6,8 trilhões de dólares, para cobrir os buracos nos balanços dos bancos e dos estados, cujas dívidas públicas aumentaram consideravelmente para financiar o resgate do sistema bancário.
Em 2010, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), foram emitidos títulos de dívida pública no total de 16 trilhões de dólares, em novos títulos e para o serviço das dívidas. Nos países industrializados, a proporção média entre a dívida pública e o PIB disparou, passando de 78%, em 2006, para mais de 100%, em 2010.
Observe-se que, dos 64 trilhões de dólares acima citados, 39% correspondem aos EUA, 18% ao Japão e, 20% a toda a eurozona. Infelizmente, 10 trilhões dos títulos estadunidenses são lastreados em hipotecas imobiliárias, sendo cerca de 1,4 trilhão nas altamente especulativas hipotecas subprime, mercado cujo estouro deflagrou a crise, em 2007.
Efetivamente, tratam-se de quantias colossais, que revelam a enfermidade e a debilidade de todo o sistema financeiro. Fica a pergunta de por que, em relação às diferentes situações geoeconômicas mencionadas, os alvos da especulação são apenas as dívidas públicas dos países da eurozona, em vez dos títulos do Tesouro e outras dívidas estadunidenses.
Longe de nós a intenção de ignorar as responsabilidades da Europa e as urgentes necessidades de correções na política econômica. Mas não se entende a agitação dos mercados sobre a solvência da Grécia ou da Irlanda, que, mesmo com dívidas totais de, respectivamente, 236 e 867 bilhões de dólares, dispõem de economias reais bastante funcionais. Estranhamente, a fúria dos senhores da alta finança não se volta contra o trilhão e meio de dólares em hipotecas subprime irrecuperáveis.
Entretanto, os grandes players financeiros internacionais, encabeçados pelos cinco megabancos dominantes dos EUA (Goldman Sachs, Bear Stearns, JP Morgan Chase, Citigroup e Bank of America), assestam as suas baterias contra os peões mais débeis da Europa, evidentemente, cientes da inexistente coesão nas políticas econômicas e financeiras e da escassa disposição europeia para confrontar os especuladores.
Diante desse quadro, se coloca com força a necessidade de se empregarem os títulos europeus, os Eurobonds, como medida defensiva e de recuperação da economia. Está na mesa uma interessante proposta do ministro da Fazenda italiano Giulio Tremonti e do presidente do Eurogroup Jean-Claude Juncker, para a emissão de “eurotítulos” para substituir títulos de dívida pública dos países da União Europeia (UE) em quantidade não superior a 40% do seu PIB. A intenção não é criar novas dívidas, mas proporcionar um escudo mais robusto para os países europeus empenhados em políticas de saneamento das suas contas públicas. Ao contrário dos que temem um afrouxamento da disciplina orçamentária nos estados mais endividados, estes estariam em condições de operar com maior segurança e continuidade na execução de políticas corretivas.
A própria Alemanha, que não é totalmente favorável aos Eurobonds, teria a vantagem de reduzir a sua quota no fundo de resgate, o que favoreceria, inclusive, os bancos alemães expostos aos riscos dos títulos da Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, em cerca de 520 bilhões de dólares. Por outro lado, entre os opositores dos Eurobonds encontram-se os mais suspeitos defensores da “afrouxamento quantitativo” do Banco Central Europeu (BCE), que, com suas maciças injeções de liquidez, pavimenta a velha estrada monetária que tem beneficiado o sistema bancário internacional em sua presente forma, ao mesmo tempo em que alimenta uma tendência inflacionária.
Vale lembrar que, em 1993, o então presidente do Conselho Europeu Jacques Delors propugnava a adoção de “Union Bonds” europeus, para financiar a produção de riquezas reais e a criação de empregos por meio da construção de grandes projetos de infraestrutura e de inovações tecnológicas em transportes, comunicações, energia, pesquisas etc.
Os Eurobonds são duas faces de uma mesma moeda, que protege contra a especulação e fomenta o crescimento econômico, para ajudar a UE a sair do impasse perigoso no qual se encontra (e a mesma ideia pode ser vantajosamente aplicada em todo o mundo).
Fonte: MSIa – Mario Lettieri e Paolo Raimondi, de Roma