Infraestrutura deficiente e burocracia ameaçam negócio que movimentou US$ 383,5 bilhões em 2010.
Rio de Janeiro, Brasil – Pelos portos brasileiros passam mais de 80% das importações e exportações brasileiras. E o montante movimentado não pára de crescer. De 2003 a 2010, as importações e exportações tiveram alta de mais 200%, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Mas todo esse volume embarca e desembarca em uma infraestrutura portuária que não recebe qualquer investimento há praticamente 20 anos.
“Essa estrutura desestimula e dificulta o investimento privado”
Se o comércio internacional continuar em alta, os portos poderão não dar conta da demanda em dois anos, diz Carlos Campos, coordenador de Infraestrutura Econômica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que, juntamente com Bolívar Pêgo, organizou e editou o estudo “Infraestrutura econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025”. O Ipea é vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
“Os principais gargalos são os acessos rodoferroviários aos portos”, afirma Campos. “É tão difícil para os caminhões e trens chegarem aos portos brasileiros quanto saírem.” A falta de vias de acesso eficientes eleva o preço dos fretes, compromete cargas perecíveis e prejudica a competitividade dos portos e dos produtos, aponta o estudo.
“A carga não pode chegar no momento adequado. O navio, o caminhão e o motorista têm que esperar”, diz Wilen Manteli, diretor presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP). “Muita gente estima esse tempo improdutivo em perda de 3% até 5% sobre o valor do comércio exterior. Imagine isso em cima de quase US$ 400 bilhões, valor movimentado em 2010.”
Em 2010, o comércio internacional movimentou 761 milhões de toneladas nas instalações portuárias brasileiras, diz Manteli. Em 2015, o volume deve chegar a 1 bilhão de toneladas. Outro problema apontado pelo estudo do Ipea é a falta de profundidade dos canais de acesso para receber e movimentar navios de grande porte.
Investimentos privados em operações portuárias adiaram colapso
O governo federal é proprietário e administrador da área dos portos, mas a operação portuária e os terminais passaram para o setor privado.
“A iniciativa privada investiu em equipamentos modernos que trazem muita eficiência nas cargas e descargas, fizeram avanços nas questões gerenciais, e, com muita dificuldade e fila, o Brasil ainda está conseguindo segurar”, completa Campos.
O Decreto n° 6.620/2008 deu condições para a criação dos chamados terminais portuários de uso privativo (TUPs). Montados por empresas, os TUPs são prioritariamente usados para transportar cargas das empresas proprietárias. O decreto também prevê que empresas privadas peçam licitação para concessão de um novo porto. Mas, mesmo que a solicitante tenha apresentado projeto e seja proprietária da área onde pretende construir o terminal, deverá participar de uma licitação pública.
Se perder, a companhia é indenizada pela área, e o empreendimento é realizado pela empresa que vencer a licitação.
A primeira licitação nesses moldes será realizada em Manaus, no estado do Amazonas, e o edital já foi lançado, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
“Essa estrutura desestimula e dificulta o investimento privado”, opina Campos. “E é assim que o governo quer por acreditar que o porto é serviço público e vai continuar com administração pública com operação privada.”
No vácuo regulatório antes da aprovação das novas regras, a Antaq autorizou a construção e a operação privada de três portos. Um deles foi o Superporto do Açu, do grupo EBX, do empresário Eike Batista, no município de São João da Barra, no norte do estado do Rio de Janeiro.
Com início de operações previsto para 2012, o Superporto terá calado profundo, para receber navios de grande porte, além de acesso estratégico às rodovias e linhas ferroviárias. O empreendimento dará suporte às operações de extração e tratamento de petróleo e gás da Bacia de Campos – a maior reserva petrolífera do Brasil.
Investimento em infraestrutura portuária é responsabilidade federal
Nos portos públicos, todo o investimento em infraestrutura cabe ao governo federal.
Para resolver os gargalos atuais, seriam necessários R$ 42,88 bilhões, segundo o estudo do Ipea. O total deveria ser aplicado em construção, ampliação e recuperação de áreas portuárias (R$ 20,46 bilhões), obras de acessos terrestres (R$ 17,29 bilhões), dragagem e derrocamento (R$ 2,78 bilhões) e outras melhorias (R$ 2,34 bilhões).
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em janeiro de 2007 pela administração de Luiz Inácio Lula da Silva, destinou R$ 2,7 bilhões do seu orçamento de R$ 657,4 bilhões para melhorias em 12 portos até 2010.
Entre as obras mais contempladas pelo PAC estão dragagens, totalizando R$ 1,5 bilhão, dentro do do Programa Nacional de Dragagem.
“O Programa Nacional de Dragagem é ousado, considerado um dos maiores do mundo”, diz Manteli. “Estamos minimizando aquelas dificuldades que nós tínhamos nos acessos dos navios aos portos.”
Mas Campos afirma que os investimentos incluídos no PAC englobam apenas 19,2% do número de obras identificadas como necessárias para os portos e correspondem a 23% do total de investimentos necessários para corrigir esses gargalos.
Além disso, dos 14 projetos de melhorias iniciados em portos brasileiros, somente sete foram concluídos.
Do total de R$ 2,7 bilhões previstos no PAC para investimentos em portos de 2007 a 2010, o governo investiu R$ 789,1 milhões, segundo o último relatório do PAC, divulgado em 9 de dezembro de 2010.
Manteli reclama da série de documentos com as mesmas informações para diferentes órgãos do governo e que devem ser preenchidos pelos responsáveis pelas embarcações obrigatoriamente em português.
“O número de documentos, guias e formulários que se tem que preencher chega a 112, para mais de 20 instituições”, completa Manteli.
Para facilitar o processo, o governo federal está implantando o programa Porto Sem Papel. Trata-se de um sistema informatizado para unificar todas as bases de informações. Com um único formulário preenchido pelo responsável pelo navio, as informações podem ser acessadas por todos os órgãos envolvidos no embarque ou liberação da carga.
O sistema está em teste em Santos (SP), no Rio de Janeiro (RJ) e em Vitória (ES) e deve reduzir em 25% o tempo que o navio fica atracado.
Mas Campos têm mais recomendações.
“A alfândega dos portos deveria operar 24 horas para que pudesse dar mais fluidez à liberação de cargas”, opina. “Sugerimos também a regulamentação do direito de greve no serviço público. Têm instituições públicas que às vezes fazem greve de 20, 30, 40 dias. Como vai dizer para um chinês, por exemplo, que não consegue chegar com a carga porque o porto está em greve?”
Por Nelza Oliveira para Infosurhoy.com/ Foto APPA