A Federação das Indústrias do Paraná – FIEP ouviu Presidentes de Sindicatos e empresários representativos sobre o projeto do novo Código Florestal, relatado pelo Deputado Aldo Rebelo (PCdoB – SP), e registrou alguns pontos que merecem a nossa atenção.
Novos paradigmas
O projeto do Novo Código Florestal, muito além de trazer questões polêmicas e de representar uma resposta aos anseios da maioria da cadeia da produção nacional, representa um chamado para a reflexão sobre antigos paradigmas que costumam ser vinculados mais à degradação ambiental do que à proteção ambiental.
Para essa revisão paradigmática, faz-se necessário um exercício de compreensão daquilo que em filosofia se chama de obstáculo epistemológico. Trata-se de um dos mais importantes eixos, se não o principal, do pensamento do famoso filósofo Gaston Bachelard. Em síntese, o conceito se refere ao caráter insistente e generalizado de certas resistências ao conhecimento científico que não estão restritas ao passado, mas se presentificam sempre como impasse.
Trazendo-se essa concepção para o tema em discussão, tem-se que, pensar um Brasil sem um Novo Código Florestal redunda justamente na manutenção de velhos e arraigados obstáculos. Evidentemente, para que possa ocorrer o desenvolvimento de uma nova proposta de regulamentação da matéria, torna-se importante buscar a ruptura de alguns pressupostos da fase precedente, sem, contudo, ser necessária e obrigatória a desconstrução total dos elementos fundantes do padrão anterior. Modelos vão, então, sendo substituídos, verificando-se a pertinência de elementos remanescentes.
Imperiosa, assim, é a discussão das questões ambientais e, consequentemente, de um Novo Código Florestal sob este novo foco. O desenvolvimento equilibrado e as discussões sobre paradigmas ambientais também são chamados a se atualizarem, não se podendo admitir mais posições atrasadas que certamente servirão, como já mencionado anteriormente, para a destruição do ambiente e, da mesma forma, para a lentidão do processo de desenvolvimento equilibrado.
Desde a conferência de Estocolmo (1972), o paradigma a ser enfrentado é o de crescimento com equilíbrio, o crescimento baseado em um desenvolvimento sustentável. Assim, a consciência ambiental surgiu aos poucos e, neste sentido, a contribuição das normas em vigor serviu de alicerce para essa mudança de comportamento, visto que, se não havia um comportamento adequado por parte do cidadão, a legislação passou a “auxiliar” a sua nova postura.
Neste contexto, torna-se necessário ressaltar que o Código Florestal atualmente em vigor surgiu em um determinado momento histórico. No entanto, a boa técnica legislativa não afasta a possibilidade e a necessidade de sua readequação. Então, percebe-se que a reestruturação normativa proposta é, de pronto, conceitualmente adequada e necessária. Para tanto, novamente se mostra premente a quebra de velhos paradigmas, muitos desses consubstanciados em um ideologismo sem amparo técnico.
A questão ambiental deve sim ser tratada de maneira técnica e responsável, retirandose da classe produtora a “pecha” de poluidora e devastadora, passando ela a ser vista como participante e co-responsável pelo desenvolvimento e pelo equilíbrio ambiental.
A presente discussão, nessa ótica, tem por finalidade confortar os aflitos, neste caso representado por todo o setor produtivo e industrial sério, e afligir os confortados, representado por todos aqueles que insistem no uso de antigos e obsoletos paradigmas.
Visão sistêmica do complexo produtivo
Como se sabe, a noção de cadeia produtiva remete a um complexo de etapas consecutivas, ao longo das quais os diversos insumos sofrem algum tipo de transformação, até a constituição de um produto final e sua colocação no mercado, chegando aos dias atuais, inclusive, a um momento de beneficiamento pós-produção.
Tudo isto remete à idéia de que o processo de desenvolvimento é formado por setores e atividades produtivas interligados, no qual não há vazios e permite que se perceba a histórica formação de uma lógica produtiva na qual os mais diversos pontos da cadeia, ao invés de se distinguirem, compõem o conjunto daquilo que se compreende por economia.
Nessa perspectiva, qualquer análise de proposições normativas que se voltem a um ponto da cadeia produtiva não pode deixar de ser considerada à luz de toda a cadeia, na medida em que, atualmente, a concepção que se tem é de uma verdadeira integração e interdependência entre todos os setores.
Especificamente no que se refere ao regramento em questão, por via de consequência, não há como se ignorar que uma modificação não terá seus efeitos restritos ao contexto produtivo rural, mas também se projetará a toda a cadeia na qual aquele primeiro ponto está inserido.
Premissas
Pelo menos 3 premissas devem nortear o novo Código:
-A legislação deve ser simples e de fácil entendimento para os produtores e para a sociedade.
-A produção rural sustentável implica equilíbrio entre sustentar e produzir.
-Devem ser criadas condições para o Desmatamento Zero no Bioma Amazônia, uma região do globo com características singulares.
Avanço do marco legal
Brasil detém 33% das florestas originárias do planeta e atualmente a nossa legislação ambiental encontra-se dispersa em 16 mil itens, entre leis, portarias e códigos, o que acarreta uma insegurança jurídica para os diversos atores. Nesse sentido um novo Código Florestal é muito bem vindo pois o atual data de 1965. De uma forma geral o texto do Relator foi considerado um avanço em relação a legislação vigente, pois também servirá para legalizar parcela importante da atividade rural no país.
Descentralização e autonomia
Um dos grandes avanços do novo Código, segundo os empresários paranaenses, é a modernização da legislação no sentido de permitir o cultivo de acordo com estudos e licenças emitidas pelos Estados, respeitando as características de cada região. Nesse sentido, a nossa proposta é irmos além numa efetiva descentralização da gestão ambiental e avançarmos na definição de parâmetros técnicos através dos Planos Integrados de Bacias Hidrográficas e de Uso do Solo, conforme as características regionais. O Brasil é um país gigante, com uma rica diversidade natural que precisa de tratamento diferenciado para poder produzir de forma sustentável e competitiva. Em todas as regiões e biodiversidades. Conselhos estaduais ou regionais representativos podem operar como instâncias de governança para a definição de parâmetros originados de estudos técnicos com mapeamentos e monitoramentos por imagens: tamanhos mínimos de propriedades, áreas de preservação ambiental, reservas legais,
etc. No Paraná, Sr. Ministro, estamos prontos para exercitar nossa autonomia e decidir sobre o uso da terra e quanto deve ser preservado do meio ambiente. Com toda transparência e participação das partes interessadas.
Áreas de preservação ambiental
Em termos de parâmetro geral estamos de acordo com a redução de 30 para 15 metros de largura de Áreas de Preservação Ambiental (APPs) ao longo dos cursos dos rios com menos de 5 metros de largura. No entanto, no nosso entendimento, esta medida poderia vir ser alterada caso estudos técnicos específicos assim recomendem nas diferentes bacias hidrográficas.
Já o art. 3º, II, estabelece como sendo de preservação permanente as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinqüenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas. Esse dispositivo veio estabelecer de maneira clara e objetiva a largura da faixa de Preservação Permanente ao redor de lagos e lagoas artificiais, algo que inexiste no Código atual, circunstância essa que fomentou diversas polêmicas a respeito.
O art. 3º, III, estabelece como áreas de preservação permanente as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento, resguardado o disposto no § 4. Esse dispositivo facultou ao órgão ambiental, com base nas peculiaridades de cada caso concreto, o estabelecimento da faixa de preservação, o que redundará em um uso mais racional e equilibrado do ambiente. Esse ponto traz, dentre outros aspectos, uma solução focada no desenvolvimento sustentável para empreendimentos de geração de energia.
Reservas legais
Quanto à manutenção das Reservas Legais nos limites atuais – 20% na Mata Atlântica, 35% no Cerrado e 80% na Amazônia – defendemos que as APPs também possam ser utilizadas para compor estas reservas. O art. 2º, XIV, do Projeto de Lei, definiu a Reserva Legal como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 14., com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”. Uma das principais consequencias dessa modificação conceitual é a volta da possibilidade de que as áreas de preservação permanente possam ser computadas no cálculo do percentual da Reserva Legal, observado o disposto no art. 16 do Projeto de Lei. Isto viabiliza um maior aproveitamento das propriedades, bem como um maior comprometimento e efetividade na preservação dos recursos naturais, na medida em que as regras, além de seguirem uma lógica tecnicamente plausível, passam a ser mais claras e objetivas.
Pequena propriedade
Segundo dados recentes, do universo de estabelecimentos rurais, 85% enquadram-se dentro do conceito de pequena propriedade, as quais são responsáveis por 60% da produção de alimentos e de matéria-prima, sendo responsável ainda por cerca de 10% do PIB nacional. Portanto, sendo viabilizada economicamente, a implantação de empreendimentos agroindustriais de pequeno porte, principalmente envolvendo pequenas propriedades rurais, tem potencial para promover a industrialização e a verticalização do setor primário. Em razão da incorporação deste conceito, resultou-se, no que se refere ao tratamento da Reserva Legal, na dispensa de que essas propriedades realizem a recomposição da Reserva, o que irá redundar em maior rentabilidade e reflexos positivos para toda a cadeia, não se inviabilizando essas propriedades.
Setor florestal
Ficou claro nas nossas discussões que o setor florestal se sentiu pouco contemplado na proposta e por isso apresentamos algumas sugestões específicas a serem consideradas:
- O texto deveria deixar claro que o uso alternativo do solo, respeitadas as APPs e a Reserva Legal, pudesse ser trabalhado dentro do interesse da produção, sem maiores burocracias. Assim, por exemplo, as práticas agrossilvopastoris poderiam ser praticadas em pelo menos 50% da área até que as disposições finais fossem estabelecidas.
- O Art.47 determina que pelo período de cinco anos contados da data de vigência desta Lei, não será permitida a supressão de florestas nativas para estabelecimento de atividades agropastoris. Pergunta-se: são permitidas as atividades silviculturais? Neste mesmo artigo não é observada a suspensão de pagamento dos impostos neste prazo.
- Entende-se que é um grande avanço na questão ambiental a definição segundo a qual “serão pagos serviços ambientais para quem conservar as florestas”. Nossa pergunta: qual a fonte desses recursos?
- Em relação a Reserva Legal, uma outra pergunta: é justo manter o que já foi registrado nas propriedades e para aqueles descumpridores da Lei serem beneficiados pela isenção da RL?
- As alterações do Código Florestal de nada servirão se não houver mudanças na lei 11.428 (da Mata Atlântica), pois até o momento é ela que disciplina o que pode ou não ser utilizado nas áreas florestais e de que forma.
Rodrigo da Rocha Loures
Conselheiro do CDES e presidente da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP).
Fonte: CDES