Em sua primeira entrevista a um jornal brasileiro, concedida ao “Valor Econômico”, após analisar aspectos da conjuntura, a presidente Dilma Rousseff comparou o Brasil aos Estados Unidos, destacando os fatores internos – ditos, endógenos, no jargão econômico – que a seu ver influenciaram o ciclo de crescimento daquele país. Para Dilma podemos examinar a aplicação desse modelo aqui, aproveitando o que deu certo, sem perder de vista nossas características e realidades (entre as quais a correção das desigualdades sociais ainda existentes).
Entre tais condições, similares para ambos os países, a presidente registrou que os Estados Unidos se beneficiaram de:
1 – território continental, com riquezas naturais (recursos potenciais)
2 – população de escala e dotada de vontade de realizar (ativa)
3 – cultura nacional que valorizou a disseminação da educação, resultando numa força de trabalho preparada e dotada de capacidade de inovação, o que gerou empresas e produtos competitivos no mercado internacional.
Segundo ela, o Brasil possui ou pode desenvolver tais fatores, para manter um crescimento sustentado, (que, aliás, haviam sido propostos pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, entre outros).
Porque, o país:
– Também possui em seu território continental uma dotação abundante de recursos naturais alguns já em exploração (energia a partir de fontes renováveis, como água para mover usinas hidrelétricas, e produção de biocombustiveis, além de minérios e ter descoberto mais petróleo – o pré-sal); e é uma potência agroalimentar de escala;
– Encontra-se em transição para uma base industrial diversificada
– Entrou na etapa em que a população desperta e passa a incorporar
padrões do mercado, o que acelera o crescimento.
Parcerias na educação
Para a presidente, para garantir esse crescimento de forma sustentável “que pode ser maior do que o de países desenvolvidos”, o Brasil deve voltar sua atenção para “criar massivamente um processo de educação em todos os níveis para a população”, mais esforços de educação profissional e técnica no ensino médio; além de ampliar a formação de profissionais de nível universitário nas melhores escolas do exterior, principalmente nas áreas de ciências exatas, biologia, etc e nas engenharias.
Nessa linha, Dilma anunciou que proporia ao presidente Obama acordo de cooperação para abrir vagas em universidades americanas para estudantes brasileiros de pós-graduação. (De fato, efetivou uma parceria estratégica para intercambio de alunos e professores, com meta de cem mil beneficiados nos próximos cinco anos).
Segundo a presidente, a partir das vagas abertas pelos americanos o governo brasileiro “dará bolsas” aos selecionados; esforço sistemático que deverá ser estendido para outros países, porque “todos os países que deram um salto apostaram na formação de seus profissionais lá fora”.
Para acelerar o desenvolvimento – além dessa educação técnica e da complementação de formação para jovens graduados em áreas tecnológicas e engenharias no exterior – num estagio seguinte, a presidente aposta em ações para assegurar ao país, capacidade de gerar inovação – repetindo o ciclo americano de expansão endógena.
Petróleo e renda
O esforço educacional registrado acima também se insere, na ótica da presidente, no cuidado para aproveitar as jazidas de petróleo do pré-sal de forma racional, evitando exportar apenas a matéria-prima, porque “não queremos ser só ‘commoditizados’”. A regra é fugir da “maldição” representada pela simples exploração desse recurso, sem agregar-lhe valor e sem utilizá-lo para um crescimento que atenue as desigualdades de renda ainda observadas no país.
A presidente aposta na retirada do conjunto de 19 milhões de pessoas ainda em situação de miséria através de ações como a melhoria na educação, o microcrédito, a agricultura familiar e outros projetos – que comporão uma autentica “porta de saída” para os beneficiários dos programas sociais.
Nesse ponto ela se alonga na defesa da política de recuperação do poder de compra do salário mínimo, além de situar sua estratégia de corrigir desigualdades entre setores e regiões – entre elas os Vales do Jequitinhonha e da Ribeira – porque “o país não pode ser tão desigual”.
Janela de oportunidades
Dilma acredita nessa “janela de oportunidade única” para apostar que o Brasil pode “dar um salto” no crescimento. Para obter esse resultado ela se diz aberta para operar formas de investimento situadas além do Estado, em parcerias empresariais com a concessão de estradas, hidrelétricas e aeroportos; além de esperar apoio externo via investimentos.
Foi aí que a presidente anunciou a criação da Secretaria de Aviação Civil (concretizada na segunda-feira seguinte), que irá regular os contratos para expansão ou modernização de aeroportos por todo o país. Tais concessões serão condicionadas pela capacidade operacional das regiões, à semelhança do pedagiamento da rodovia Régis Bittencourt (lote Curitiba-S. Paulo da BR-116, que ela conduziu quando na chefia da Casa Civil).
Nesse ponto a presidente lembrou da tentativa de eventual privatização da rodovia BR-163, entre o Paraná e Mato Grosso. Contudo os estudos demonstraram a inviabilidade dessa solução, porque o cálculo da tarifa média era de R$ 900. A obra, destinada a escoar a produção do sul matogrossense (pólo de Dourados) via ponte de Guaíra, Cascavel e Paranaguá, está sendo realizada com recursos públicos – segundo Dilma.
Inflação X crescimento
O ponto controverso da entrevista de Dilma Rousseff foi sua abordagem do controle da inflação em paralelo à manutenção do crescimento. Citando artigo do ex-ministro Delfim Neto, a presidente descartou a limitação proposta por alguns setores, de que o crescimento potencial do Brasil esteja em torno de 3% ou equivalente, que superado, manteria a inflação em uma taxa alta, de 6%.
Reportando-se à trajetória recente, quando o país superou a crise mantendo um crescimento sustentado e com inflação sob controle, a presidente declarou que seu governo está monitorando a inflação via acompanhamento sistemático de despesas de custeio, mas não acolhe a tese de que “tem que derrubar a economia brasileira”.
Em abono dessa postura, Dilma expressou sua confiança de que fatores como investimento e produtividade podem empurrar para cima a tx. de crescimento sem afetar o controle da inflação. Para ela, a expansão de 7,5% em 2010 não ultrapassou a capacidade da economia, devendo-se ao resultado de investimentos e da conjuntura internacional (melhoria do preço das commodities), entre outros aspectos.
Portanto, na sua ótica, ampliar a capacidade de produção é a solução para manter esse crescimento mais robusto. Ela rejeita o ponto de vista de que a inflação corrente – da ordem de 6%, com 8% para o setor de serviços – seja de demanda, avaliando que “pode ser que essa seja a divergência que nós temos com alguns segmentos”. Dilma acrescenta acreditar que, no caso, “houve um ganho global de produtividade e de crescimento sistêmico”.
Nesse ponto se alargam as divergências com analistas da corrente mais ortodoxa, alguns deles observando que a tese de, ao mesmo tempo crescer e controlar a inflação – apostando na tecnologia e produtividade para empurrar a taxa de expansão sem risco inflacionário – própria dos chamados “economistas desenvolvimentistas”, também esteve em voga nos EUA com Allan Greenspan, presidente do “Fed” durante boa parte do final do século passado – mas levou ao fracasso da crise 2007-2008).
Repercussões
Nos dias seguintes o jornal “Valor” publicou editorial em que fez reparos à “estratégia gradualista de combate à inflação escolhida pelo governo”, lembrando os períodos dolorosos atravessados pelo país, com superinflação e baixíssimo crescimento.
Também o economista e estrategista financeiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, em artigo no mesmo jornal, registrou sua visão de que “o duplo objetivo de crescer e controlar a inflação” é incompatível com a realidade, resultando numa “terrível inconsistência teórica” que pode levar “a níveis de inflação bem mais elevados”.
O comentário mais singelo foi de um leitor do jornal que, ao elogiar a entrevista, “com pontos de vista claros e definidos”, declarou-se satisfeito com a presidente, mas prudentemente encerra: “Agora, é aguardar os resultados”.
Outros destaques:
A presidente Dilma aproveitou a entrevista para adiantar alguns conceitos que, por certo, apresentaria ao presidente Obama durante seu colóquio do fim da semana. Para ela o Brasil pode ser um parceiro importante para os Estados Unidos, por ter assumido seu papel internacional como um país “que não tem guerra, nem conflito étnico, respeita contratos, tem princípios democráticos extremamente claros e uma visão do mundo generosa e pró-paz; um país democrático com nossas raízes culturais múltiplas, pela capacidade de conviver com as diferenças, a tolerância, que tem gosto pelo consenso – e que o mundo vê como um país amigável – tudo caracterizando “a contribuição que o Brasil pode dar para a construção da paz no mundo”.
Rafael de Lala, jornalista, presidente da
Associação Paranaense de Imprensa.