Aneel prepara resolução, que vai permitir aos consumidores gerarem a própria energia, até 1 MW, e vender o excedente para rede
As transformações que o setor elétrico está passando nos últimos anos não se restringem a introdução de novas fontes de redes inteligentes. A maneira de gerar energia está mudando também e vai dar mais poder aos consumidores finais. Em um país com 63 milhões de unidades consumidoras, esse potencial é gigantesco. Na Europa e Estados Unido, esse mercado está em plena ebulição, com forte participação de energia eólica e solar. Isso acontece por causa do desenvolvimento do mercado de micro e minigeração, aquela com potencial de até 1 MW, e a segunda até 10 MW.
Para se ter uma idéia, só nos EUA foram vendidos 8 mil aerogeradores de baixa capacidade, até 100 KW, movimentando US$ 139 milhões em 2010. Com isso, a capacidade instalada naquele país chega a 179 MW, segundo estudo divulgado em outubor/11 pela Associação Americana de Energia Eólica. Na Europa, países estão criando estratégias para estimular o uso da microgeração, com isso reduzir o uso da energia gerada por grandes termelétricas e, consequentemente, cortar as emissões de gases de efeito estufa. A microgeração se consolida através da possibilidade de os consumidores poderem vender os excedentes da geração própria para a rede.
No Brasil, o mercado ainda é incipiente devido aos custos dos equipamentos e, principalmente, pela falta de uma regulação de como a comercialização da energia pode ser feita. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pretende tapar esse buraco com a proposta de minuta de resolução normativa, que esteve em audiência pública até meados desse ano. Agora, a área técnica da agência está analisando as contribuições feitas pelos agentes, que se mobilizaram desde a consulta pública prévia, e fizeram 500 manifestações. Ivan Camargo, superintendente de Regulação de Serviço de Distribuição da Aneel, contou que a expectativa é que a regulação saia até o começo do ano que vem.
“A pauta da diretoria está carregada. No nosso cronograma, estamos colocando a apreciação da minuta de resolução para o ano que vem”, afirmou o executivo. Camargo disse que a microgeração é uma tendência irreversível, por isso, a Aneel está se adiantando para ordenar a criação desse mercado. “O que estamos tentando fazer com essa regulamentação, que foi para audiência pública, é colocar regras para dizer como isso vai acontecer. Essas regras vão simplificar a vida de quem decidir adotar a microgeração”, explicou
Camargo salientou que esse mercado para se desenvolver deve necessitar de incentivos, como os fiscais, por exemplo, “Esse mercado enorme, para se viabilizar, tem que ter incentivos econômicos”, frisou o superintendente da Aneel. Ele acredita que a geração com painéis fotovoltaicos deve ser a mais beneficiada. “A solar ainda está cara. Mesmo com esses incentivos, o consumidor pode ter a decisão de não instalar. No mundo inteiro, a instalação de geração solar está crescendo muito”, ponderou o executivo, acrescentando que há espaço nesse mercado para outras fontes como a eólica, biocombustíveis e outras renováveis incentivadas
Para Mônica Rodrigues Souza, gerente do núcleo de Energia Térmica e Fontes Alternativas da Andrade & Canellas, a maior beneficiada deve ser sim a energia solar fotovoltaica. Ela disse que, em alguns casos, essa energia já pode ser competitiva com o custo da energia das distribuidoras. “Essa geração poderá se tornar competitiva, a medida que o custo da energia solar se reduzir”, comentou. As usinas solares, na mesma audiência pública da Aneel, terão direito a um desconto na tarifa de uso dos sistemas de transmissão e distribuição de até 80%, nos primeiros 10 anos de operação, desde que tenham até 30 MW injetados no sistema.
Com um consumidor mais ativo, atuando, inclusive, como gerador, as distribuidoras serão afetadas por essa transformação. Mas, Camargo avalia que ela não será significativa. “Não muda muito o negócio porque eles vão disponibilizar o fio. Elas vão faturar o consumo líquido”, contou o superintendente da Aneel. A medição do volume de energia gerado e consumido será feita por um sistema de compensação de energia, para o qual será necessária a instalação de um medidor inteligente bidirecional, ou seja, que consiga fazer essa verificação. Pela proposta da agência os consumidores poderão fazer uso desses créditos durante 12 meses.
Camargo acrescentou que as empresas demonstraram preocupação com questões de segurança. Ele ressaltou que os consumidores terão que avisar as distribuidoras que vão instalar uma geração, para um maior controle da rede. “É importante que se avise a distribuidora, porque a inversão de fluxo é séria. Se uma linha for desligada e a distribuidora não souber que há uma geração pode haver um acidente grave”, salientou. Um outro ponto levantado pelas distribuidoras é sobre a forma de cobrança de imposto. “Eles querem saber se é possível cobrar pela energia líquida ou se quando o consumidor fornecer energia teria que pagar imposto também. Estamos discutindo com as diversas áreas”, observou Camargo, lembrando que o assunto envolve sete superintendências da Aneel.
Em meio às discussões da nova regulamentação, o mercado já se movimenta para atender a futuros possíveis consumidores. Experiências de microgeração já existem no país, mas não conectadas à rede como as previstas pela proposta da Aneel. A micro e minigeração existentes no país são para atendimento de áreas isoladas ou por questão de reafirmação de proposta de sustentabilidade das empresas. A Guascor desenvolveu recentemente um projeto para geração fotovoltaica para a Eletrobras Amazonas Energia, que envolveu a instalação de 12 miniusinas.
Miguel Bezerra, gerente comercial da Guascor, adiantou que a empresa está desenvolvimento mais dois projetos similares em São Paulo e Maranhão. Sem revelar os nomes dos clientes, ele salientou que esses projetos fazem parte do programa Luz para Todos. Os três projetos, salientou, vão atender a 500 unidades consumidoras, com cerca de 3 mil pessoas. Em São Paulo, será empregada a solução fotovoltaica instalada em cada residência. Já no Maranhão, será utilizado um sistema híbrido envolvendo fotovoltaica, eólica e diesel.
Mas o executivo disse que a empresa está preparada para atender o novo mercado, principalmente, em relação a microgeração, a entre 10 kW e 1 MW, integrada à rede. “Nosso foco é a entrega de soluções prontas, que podem ser usadas por consumidores comerciais e indústrias”, avaliou Bezerra. Outras empresas, porém, que atuam nesse nicho de mercado, principalmente de minigeração até 10 kW, estão de olho no consumidor residencial. A Enersud aposta na fabricação nacional de aerogeradores de pequeno porte. Por outro lado, a Energia Pura importa equipamentos da Skystream, dos Estados Unidos, e painéis fotovoltaicos, da Mitsubshi, do Japão.
A Enersud já conta com 300 turbinas instaladas e mais de mil alternadores no país. A empresa está desenvolvendo um novo modelo de aerogerador, que melhor se adapta à conexão em rede, dentro dos parâmetros da futura resolução. “A consolidação desse novo mercado depende da regulação”, resume Luiz Cezar Pereira, sócio-fundador da companhia. Mas ele ressalta que, como no exterior, será necessário algum tipo de incentivo aos consumidores para que embarquem na onda da microgeração. Pereira lembra que estados americanos subsidiam a compra de equipamentos e o governo dos EUA concede descontos no Imposto de Renda.
A Energia Pura, por sua vez, já realizou 3 mil vendas em território nacional dos equipamentos importados, segundo Ronald Thome, sócio-fundador da empresa. Um dos clientes da empresa foi o HSBC, que instalou recentemente um aerogerador em uma agência bancária em São Luis, no Maranhão. O banco investiu R$ 2 milhões para tomar o espaço da agência o primeiro sustentável do país, incluindo outras medidas como de eficiência energética. O executivo disse que a Energia Pura está preparada para atender ao novo mercado, que se abrirá com a resolução.
Fonte: Alexandre Canazio, Agência CanalEnergia