A cólera das legiões baianas

HAMILTON BONAT

Jacques Wagner ignorou a insatisfação dos policiais baianos. Preferiu ir a Cuba, onde nosso governo presentearia a ditadura dos irmãos Castro com alguns milhões de dólares. Dizem que um pouco mais do valor doado (ninguém acredita que Cuba irá pagar) cobriria os gastos do governo federal, caso a PEC 300, aquela que iguala os vencimentos de todas as PM à do Distrito Federal, fosse aprovada.

Baiano é festeiro. Pelo menos são as imagens que nos vendem. Nelas, enquanto milhares se divertem atrás do trio elétrico, alguns poucos trabalham. São policiais, tentando fazer o que podem num mar de pessoas, muitas movidas a álcool e droga. Na verdade, simulam representar papel de bobo, pois sabem que nosso governo deu dinheiro para que a Bolívia construísse a transcocaleira, rodovia que facilita o escoamento de sua produção para o mercado brasileiro.

Mas a insatisfação não se restringe à Bahia. Há risco de alastrar-se, embora a constituição proíba, com razão, aos militares fazerem greve. Talvez esteja aí o motivo de serem, quase sempre, deixados à margem pelos detentores do poder.

Num país onde tanto se fala em diminuir as injustiças e as disparidades sociais e regionais, o governo é o primeiro a dar mau exemplo. Basta comparar as abissais diferenças entre as remunerações no judiciário e no legislativo em relação ao executivo. E, neste último, os militares estão no fim da fila.

A situação em Salvador é preocupante e, ao mesmo tempo, bizarra. Policiais Militares, que ocupam a Assembléia Legislativa, têm vencimentos superiores aos dos militares federais que os cercam. O que se pode esperar? Na hipótese mais otimista, que se chegue a um acordo e cesse o movimento. Noutra, é que as tropas federais recebam ordem para desocupar o prédio e haja mais confronto e vítimas. E, numa terceira e mais grave: que amotinados e tropas federais se unam em protesto contra o fato de serem permanentemente tratados como servidores de segunda categoria.

No início dos anos noventa, o Chefe do Estado-Maior do Exército usou, como alerta, estas palavras de um legionário romano: “Não hesitamos em derramar o imposto de sangue, em sacrificar nossa juventude. Enquanto aqui este estado de espírito nos anima, dizem que em Roma muitos cedem com facilidade às piores tentações. Não posso acreditar que tudo isso seja verdade. Se for, se tivermos que deixar em vão os nossos ossos embranquecidos sobre a areia do deserto, então, cuidado com a cólera das legiões.”

Elas expressavam a indignação de todos os brasileiros em relação ao escândalo dos anões do orçamento, deputados que montaram um esquema fraudulento para receber propinas.

Gerou um frisson. Políticos, na ânsia corporativa de garantir seus privilégios, apressaram-se em defender seus colegas. Parte da imprensa deturpou o sentido da mensagem: o que era um conselho foi interpretado como ameaça à democracia.

Provavelmente não tenham se dado conta à época, mas ali estavam os ingredientes – armas e insatisfação – desse verdadeiro angu à baiana, infelizmente perigoso por ser apreciado por muita gente.

Fonte: www.bonat.com.br