O cenário internacional e a valorização do real reacenderam o debate acerca da adoção de medidas de proteção à indústria local. Déficits crescentes em transações correntes – como mostra o recente relatório do Banco Central (BC) divulgado na imprensa, que prevê um crescimento de 24% no déficit em transações correntes para 2012 – contribuem para a urgência na tomada de precauções. Os debates situam-se entre a utilização de medidas de desvalorização nominal ou a construção de muros tributários. O governo brasileiro tem adotado providências para conter a apreciação do real e elevado as tarifas que protegem a indústria e o emprego locais.
As relações entre práticas protecionistas e política cambial são antigas. O rompimento do padrão ouro na década de 1930 deflagrou o início de uma batalha de desvalorizações cambiais na qual os países buscavam sucessivamente tornar seu produto mais barato em relação ao de seus competidores. Os países que optavam por desvalorizar suas moedas viam suas economias se recuperarem rapidamente e observavam taxas de crescimento econômico mais expressivas, encorajando essa opção. Como resultado no curto prazo, desvalorização e competição estão ligadas diretamente, uma vez que tornam o produto do país com moeda desvalorizada mais barato e acessível no mercado global.
O recurso à desvalorização também está associado à ausência de cooperação enquanto causa ou como conseqüência, já que a desvalorização promove resultados comerciais desiguais. O aumento nas exportações obtido por países que desvalorizam sua moeda é acompanhado de uma deterioração no saldo comercial dos países que não seguem essa estratégia. A piora nas relações comerciais reduz o nível de atividade doméstica, aumenta o desemprego e, com a menor renda doméstica, há uma caída queda na capacidade de importar.
Considerando um horizonte de tempo maior, as desvalorizações resultam em dificuldades comerciais globais crescentes. Além disso, estas normalmente são acompanhadas por aumentos dos preços no mercado doméstico. A perda de valor da moeda local acontece simultaneamente, perdendo diminuindo o poder de aquisição externa e internamente. A elevação de preços é um mecanismo que corrói a desvalorização, fazendo retornar a taxa de câmbio real a níveis próximos aos anteriores ao aumento na taxa de câmbio nominal.
Portanto, os resultados das desvalorizações competitivas tendem a ser traduzidos em dificuldades comerciais e em perda de bem-estar, já que restringe o acesso ao mercado global de bens e serviços e eleva o nível de preços local.
Tornava-se urgente repensar uma nova arquitetura financeira internacional. O acordo de Bretton Woods era a concretização de um esforço de 44 nações para evitar práticas de desvalorização. O sistema consistia em taxas de câmbio fixas e ajustáveis, em controles cambiais e em mecanismos de ajuda a países que necessitassem de auxílio na ausência do recurso à desvalorização.
Diante da impossibilidade de promover desvalorizações cambiais, um complexo sistema de tarifas passou a proteger as produções e empregos domésticos. Muros tributários foram construídos com a finalidade de defender produtores e interesses produtivos locais. No entanto, dificilmente atendiam a interesses ou amparavam os consumidores locais, visto que negam acesso a uma escolha livre por produtos de qualidades diferentes e, ainda, ao tornar o mercado local cativo, permite aumentos de preços que não são compensados por quedas nas vendas, criando um ambiente propício ao aumento nos preços.
A adoção de práticas protecionistas também resultou em restrição significativa ao comércio, implicando em perda de mercado, elevações de preços domésticos e ausência de bem-estar.
Muito embora a apreciação do real seja parcialmente resultado de uma arquitetura financeira internacional que necessita ser revista, a história nos mostra que desvalorizações competitivas podem proteger negócios locais, contudo, trazem consequências indesejadas, sem resolver os problemas. Nossa história recente aviva as dificuldades relacionadas a medidas protecionistas.
Como as discussões sobre uma nova arquitetura financeira internacional transcendem a esfera de poder, acordos bilaterais tendem a neutralizar o efeito da apreciação cambial. Além disso, o desenvolvimento de diferenças produtivas e, portanto, de capacidade competitiva real constituem soluções definitivas e conflitam com práticas protecionistas ou desvalorizações competitivas. Logo, como alternativa à desvalorização ou práticas protecionistas, o direcionamento do crédito, o investimento em infraestrutura, o foco em competência e eficiência logística e uma diminuição na carga tributária deveriam ser debatidos.
Entretanto, o elevado peso do Estado nacional e uma costura política perversa impedem uma reforma tributária que servisse aos objetivos de desvalorização real do câmbio. E, também, medidas recentes de política econômica que estimularam o consumo como recurso para evitar sermos atingidos pelo cenário recessivo internacional desestimulam a formação de poupança necessária à realização de investimentos produtivos em busca de competitividade.
Está claro que, diante da situação internacional, implementamos medidas de proteção que eram necessárias. Todavia, elas não só corrigem a origem de nossos problemas, bem como antecipam consequências indesejadas. A discussão de um projeto nacional sustentável no longo prazo, e que dê atenção aos interesses de atores sociais importantes, é um desafio para este governo.
* Cristina Helena Pinto de Mello é professora de Macroeconomia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).