* HAMILTON BONAT
Nico era gente boa. Só não gostava do apelido, que lhe deram por causa da baixa estatura. Nico é corruptela de nanico, oriundo do latino nanu e do grego nanos, que significavam “um bilionésimo de alguma coisa”.
Essa explicação, talvez desnecessária, é para dizer que Nico, apesar de ser quase um anão, possuía um coração enorme. Tanto é que concordara com a mulher Isaura, um pouco maior do que ele, mas não só por isso, que a sogra viesse morar em sua casa.
Os amigos zoavam: “Morar com a sogra Nico! Quando você morrer, vai direto pro céu, com tripa e tudo”. Ele não se importava. Só não admitia o “Nico”.
A sogra, que de boba nada tinha, não o chamava pelo apelido. Era Lindolfo pra lá, Lindolfo pra cá. Dona Emengarda, este o seu nome, segundo Lindolfo (também não quero desgostá-lo), gozava de uma vitalidade enervante. Mesmo assim, tinha um bom plano de saúde. A única coisa que lhe afligia eram os dentes. Mas esse problema, para desespero de Lindolfo, o plano não cobria.
Todo sábado ele tinha que levá-la ao dentista. Os dentes eram de Emengarda, mas quem bancava era Lindolfo. Para vingar-se, ele resolveu enervá-la. Passou a chamar o dentista de dentisto.
Como dona Emengarda ensinara português e literatura a vida inteira, virava uma fera. “Dentisto não existe. É substantivo comum de dois, ou seja, da mesma forma que presidente, serve para os dois sexos: o dentista, a dentista. Não varia. Qualquer criança sabe disso!”
“Ora, sogrinha, quem manda em casa sou eu. Se digo que é dentisto, é dentisto, pois é um homem. Suas teorias não me interessam. Além do mais, gosto de ser politicamente correto. Pois, se ainda não sabe, uma lei recente sepultou o seu português arcaico. Parece que a senhora não se deu conta de que Camões, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Raquel de Queiroz e outros imortais estão todos mortos. E os atuais, um dia morrerão. Aí, ninguém chamará de dentista a alguém do sexo masculino. Lei tem que ser cumprida. E, na minha casa, a lei sou eu!”
Dona Emengarda, aborrecida, embora tivesse razão, calava. Como a experiência lhe ensinara, manda quem pode, obedece quem tem juízo. Mesmo assim, resolveu dar o troco. Ligou para o dentista com quem se tratava e dispensou-o. Diga-se de passagem, ele cobrava R$100,00 a consulta. Em seguida, agendou com uma dentista famosa.
No sábado seguinte, pediu ao genro que a levasse até outro consultório, pois decidira trocar de odontologista. Nico estranhou. “Novo dentisto?” “Não. Para encerrar nossa discussão, vamos a uma dentista mulher.”
Nico sorriu um sorriso de vitória. Terminada a consulta, preencheu o costumeiro cheque de R$100,00. “Desculpe, senhor Lindolfo. É um pouco mais. Aqui, cada sessão custa R$400,00.”
Assim que saíram, Lindolfo, sentindo-se um “nano”, virou-se para a sogra: “A partir de hoje, não quero saber dessa dentista. Voltaremos ao seu antigo dentista. Afinal de contas, quem manda (e paga as contas) ainda sou eu!”
O sorriso de vitória passara para os lábios de Emengarda.
Fonte: www.bonat.com.br