A energia que vem do lixo

O Plano Nacional de Resíduos Sólidos pode trazer incremento, mas agentes pedem mais incentivos para que energia da fonte se torne competitiva

A promulgação da lei No 12.305, de 2 de agosto de 2010, que institui o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, trouxe a determinação que até agosto de 2014 os “lixões” deverão ser substituídos por aterros sanitários, que receberão apenas o que não é possível reciclar, alem da criação de metas para o aproveitamento energético dos gases gerados nas unidades de disposição final de resíduos sólidos.

Essa opção pode trazer o incremento de mais uma fonte para a matriz energética brasileira, uma vez que o gás obido pelo processo de combustão pode virar energia. De acordo com Carlos Silva Filho, diretor-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o plano poderá exercer grande influência nesse campo. “O Plano determina que a destinação do resíduo seja adequada no país e que deve ser observada uma ordem de prioridade de ações, havendo um direcionamento para o aproveitamento energético”, explica.

Mas a transformação do lixo em energia já vem acontecendo e de várias maneiras. A transformação do resíduo em biogás, carvão ou até biocombustível já acontece, porém em uma escala menor e sem disputar efetivamente com outras fontes de energia. Em São Paulo, a Biogás possui dois projetos consolidados nos aterros Bandeirantes e São João, em que é feita a captura do gás para uma queima controlada e ele é usado como combustível para produção de energia elétrica. Anderson Silva, coordenador de aterro da empresa, atenta para o fato que o biogás que vem do lixo é uma fonte limpa e economiza a energia que possivelmente viria de uma outra fonte. “É uma energia limpa, você está transformando um passivo ambiental e salvando energia. Está deixando de usar outros tipos de energia como a hidrelétrica e o carvão.

Lúcia Coraça, líder de química e energia da consultoria Pöyry, espera que o Brasil atente logo para esse filão e se baseie em experiências internacionais bem sucedidas. “O tratamento térmico reduz em até 90% o volume do lixo. As tecnologias já vêem sendo testadas há 30 anos e para quem pretendia investir na área, é importante entender o que funciona e o que não funciona”, atenta. A consultora aposta no processo chamado Waste to Energy, ainda não adotado no Brasil, mas já difundido no mundo, que consiste em queimar diretamente o lixo, com o calor produzido através da queima produzindo vapor em uma caldeira e essa caldeira gera energia elétrica em uma turbina a vapor. “No Brasil não temos referência para esse tipo de solução em termos de eficiência, mas o processo térmico de queima direta de lixo é muito mais eficiente do que captar gás de aterro para gerar energia”.

A Abrelpe vê nessas formas de obtenção de energia um grande potencial, uma vê que o resíduo produzido aqui tem um grande potencial de matéria orgânica. Para Carlos Silva Filho, o deslanche da fonte vai vir quando os investimentos em resíduos sólidos crescerem. “Os investimentos são muito baixos, não há como custear um processo mais moderno, aí tem um custo maior e não há nenhum tipo de incentivo para que isso aconteça”, lamenta.

O preço dessa energia é classificado por Enrico Roveda, da italiana Asja, como um entrave para o incremento da fonte. Dona de duas plantas no país, ele conta que o preço vem se reduzindo nos últimos anos, o que tem dimunuído a possibilidade de venda. “Hoje essa energia é vendida por algo em torno de R$ 165 ou R$ 170/MWh, em contratos de longo prazo, de quatro a cinco anos. Se cair abaixo disso, não terá muito interesse. O preço está reduzindo a expansão dessa energia”, aponta, lembrando que o preço é incentivado e não paga nenhum custo de transmissão ou distribuição, o que leva a empresa a conseguir um preço um pouco superior ao convencional.

As usinas da Asja no mundo estão registradas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kioto, mas o baixo retorno que vem sendo obtido com os créditos de carbono direcionaram o foco da empresa para utilização do biogás em aterros. “Hoje o crédito de carbono é muito baixo, em torno de três euros e já alcançou níveis da 15 a 18 (euros). Estamos procurando é a viabilidade energética de aterros em cidades de mais de um milhão de habitantes, sem considerar os créditos de carbono”, adianta.

A usina de Belo Horizonte da Asja tem potência de 4 MW. Para Roveda, a reversão do problema ambiental é um dos benefícios que a transformação do lixo em biogás traz, com a eliminação do gás metano para a atmosfera e a sua conversão em energia limpa. “Ela não depende da fonte fóssil, não é sazonal e vira fonte de energia para 60 mil habitantes. Segundo os nossos cálculos, é como se a cidade tivesse 60 mil carros a menos”, informa.

Anderson Silva, da Biogás, aposta no Plano Nacional de Resíduos Sólidos como uma boa oportunidade para um incremento da fonte, uma vez que será obrigatória a adequação da queima do gás. “A simples queima não vai ser viável e vai se querer energia a partir do gás, mesmo que seja uma quantidade pequena de energia, vão querer gerar, porque vai estar deixando de consumir na rede”, comenta.

O método por incineração é a tecnologia mais usada pelos países que já extraem energia de resíduos, ao contrário das que existem no Brasil. Porém ela é mais cara que a do biogás. Segundo Carlos Silva Filho, da Abrelpe, o investimento em uma usina desse porte pode ficar em R$ 200 milhões. “No biogás você deposita o resíduo em um local e espera o processo de decomposição e só depois consegue começar a usar o gás. Na recuperação energética já submete o resíduo direto a um processo de tratamento em que ele é convertido em energia ali, no mesmo instante”, explica.

O impacto ambiental controlado é citado por Lucia Coraça com um dos atrativos da fonte. Segundo a consultora, apesar de toda a fonte de energia causar impacto ambiental, o do biogás consegue ser reduzido tanto pelas novas tecnologias como por padrões estabelecidos. “Hoje as tecnologias estão evoluídas para que o impacto fique dentro dos padrões estabelecidos. No caso da queima do lixo, o governo de São Paulo, por meio da Cetesb, adotou padrões europeus para emissões de poluentes permitidos da queima do lixo”, elogia.

Com iniciativas que de certa ótica parecem isoladas, Enrico Roveda, da Asja, pede uma política de incentivos para a fonte, como outros países já fizeram, para que exista a viabilidade da fonte e se complete o ciclo do resíduo sugerido pelo PNRS. “Não adianta colocar energia com esse recurso se depois o mercado não incentiva, porque se não houver um incentivo econômico, o gás só vai ser queimado para destruir o metano e não para também virar energia”. Roveda relaciona a pluralidade da matriz brasileira com a pouca disposição na criação de mais incentivos. “Paises com a matriz mais suja que o Brasil incentivaram com crédito. Em cada megawatt que você vende, o poder público te dá um certificado valorizável, se não nenhum empreendedor vai fazer apenas por ser bonito”.

Anderson Silva, da Biogás, também bate na mesma tecla que Roveda e pede mais incentivos fiscais para que os custos do processo diminuam e ele consiga ser economicamente viável. “Não há incentivo em relação a esse tipo de energia, é preciso arrumar uma maneira do projeto ser economicamente viável, minimizando custos e impostos”. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, também tem simpatia pela fonte de energia devido a sua função ambiental, mas relaciona sua entrada efetiva na matriz a uma queda no preço. “Tem toda lógica gerar energia através do lixo, o aproveitamento tem um benefício grande em termos de saneamento, mas ainda é mais caro”, ressalta.

Com o assunto completamente fora da pauta de discussões no momento, Tolmasquim sugere que, em um hipotético certame, seria feita uma divisão no custo dessa energia para ela se tornar competitiva, com as prefeituras fazendo a complementação do preço por meio de verba para saneamento. “Elas entram no leilão, conseguem ser comercializadas por um preço competitivo e o valor a mais a prefeitura tiraria do orçamento”, idealiza.

Em 20/06/12, a Asja Brasil, por meio da Energas – joint-venture formada pela Asja e a Limpebras – inaugurou mais uma usina de captação e aproveitamento de biogás. Localizada na cidade de Uberlândia, a usina tem potência instalada de 1,4 MW e previsão de aumento da potência no segundo semestre para 2,8 MW. O biogás virá do antigo aterro sanitário de Uberlândia, encerrado em 2011 e que recebia cerca de 60 toneladas por dia. A energia será comercializada pela Cemig durante os próximos quatro anos.

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, realizada no Rio de Janeiro, também foi palco para a divulgação do melhor aproveitamento dos resíduos como iniciativa sustentável. Carlos Silva, da Abrelpe, conta que no último dia do evento foi apresentado um estudo feito em parceria com uma universidade holandesa que mostra os benefícios da aplicação dessas novas tecnologias. Silva também revela que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social está coordenando uma análise sobre as tecnologias de destinação de lixo. “O estudo da universidade vai mostrar o quanto vamos conseguir reduzir de emissões de gases de efeito estufa e também vamos apresentar manual para que os municípios possam fazer um plano adequado à sua realidade”, promete.

A busca em se obter energia pelo lixo também fomenta a inovação e traz o aprimoramento de processos já existentes. Marco Antonio de Mieres, funcionário aposentado da Companhia de Limpeza Urbana do Rio, que se transformou em pesquisador da Coppe-UFRJ, desenvolveu o Alt-Lix, um método em desenvolvimento que utiliza o biofermentador, uma espécie de aprimoramento do biodigestor, que consegue em módulos herméticos de 20 toneladas fazer a decomposição da matéria orgânica do lixo, eliminando a existência de aterros. “Conseguimos dentro de um prazo curto fazer um fluxo de gás acelerado e rápido. Em no máximo 60 dias, uma tonelada de lixo produz até 600 m3 de biogás”, revela.

O local de desenvolvimento da pesquisa montada por Mieres no Polo Náutico Hangar, na Ilha do Fundão (RJ), é um aterro diferente. Sem cheiro nem resíduos à mostra, a solução também promete o fim da figura dos aterros, uma vez que o lixo fica depositado em conteineres. De acordo com Mieres, a tecnologia é única no mundo. A vantagem do biofermentador desenvolvido por Mieres é que ele consegue manter o mesmo ritmo de produção em qualquer condição atmosférica, ao contrário dos biodigestores. “O biodigestor consegue produzir gás, mas com condições propícias. No frio não há condição atmosférica ideal e é necessário utilização de calor, o que aumenta o custo, ao contrário do biofermentador”, observa.

Atenta aos movimentos do mercado, a Agência Nacional de Energia Elétrica promete para o mês de julho um Programa de Pesquisa & Desenvolvimento estratégico para projetos que contemplem essa fonte.

 

Fonte: Pedro Aurélio Teixeira, Agência CanalEnergia