Curitiba sem carnaval e sem natal

*Hamilton Bonat

Pessoas que fugiam da miséria e das guerras em seus países foram chegando e instalaram-se no primeiro planalto paranaense, juntando-se a portugueses, índios e negros que já viviam por aqui. Poloneses, alemães, ucranianos, russos, italianos, japoneses, holandeses, sírios, libaneses e muitos outros passaram a cultivar a terra, a produzir verduras, hortaliças, carnes, laticínios e móveis. Montaram pequenas indústrias. Algumas cresceram. A maioria já não existe, como Prosdócimo (refrigeradores), Providência (cervejas), Cimo (móveis), Essenfelder (pianos). Outras mantiveram o nome, mas acabaram vendidas. Chegaram até a controlar um banco de amplitude nacional, o Bamerindus, que também desapareceu.A questão, para a qual não se encontra resposta, é como uma gente trabalhadora, corajosa para se embrenhar no sertão e transformá-lo em progresso, até hoje não conquistou o mesmo êxito em outros setores.

A justificativa mais comum tem sido sua timidez. Para comprová-la, citam o desanimado carnaval curitibano. Apesar do insistente apoio do poder público, os desfiles revelam total ausência de entusiasmo. Nem as crianças das escolas de samba conseguem disfarçar sua tristeza. Nas imagens em que aparecem em close, chama mais a atenção a atraente publicidade das bebidas alcoólicas que patrocinam a pobre festa de um Momo, via de regra, também desalentado.

Outra suposição é a autofagia que impera entre os políticos paranaenses. Mais preocupados com seus projetos políticos pessoais, não defendem os interesses do Estado. Autodestruindo-se, acabam destruindo o Estado.

Foi o que aconteceu com o Bamerindus. Apesar dos erros cometidos em sua gestão, havia como salvá-lo. Mas nem o governador nem os representantes em Brasília, por serem adversários políticos de José Eduardo de Andrade Vieira, o presidente do banco, moveram uma palha em sua defesa. Para azar de José Eduardo, o próprio presidente Fernando Henrique, de quem era ministro e para cuja eleição havia contribuído, virou-lhe as costas. Adepto da globalização, FHC a dizia inevitável. O Brasil, concordasse ou não, seria globalizado. O mais interessante é que não globalizava ninguém! Só quem podia globalizar eram as grandes potências. Sobrou para o Paraná. Falido em 1997, o Bamerindus foi parar, embalado para presente, no colo dos ingleses.

Ainda bem que, mesmo tendo desaparecido, ele deixou um legado que é orgulho dos curitibanos. Um dos poucos eventos da capital paranaense merecedor de figurar no calendário turístico nacional, o coral Bamerindus, hoje HSBC, é um espetáculo emocionante que se repete a cada ano. Resultado de um projeto social, ele é formado por crianças carentes, que saíram dos seus lares por determinação judicial por se encontrarem em situação de risco. Não sei se a contragosto dos novos proprietários, mas as crianças continuaram a ser apoiadas pelo banco.

Uma recente notícia foi recebida com preocupação pelos curitibanos: a de que o Ministério Público do Trabalho, tendo recebido denúncia (com que interesse?) de que os menores estão sendo explorados, deu início a uma investigação. Teme-se que as crianças, que se orgulham de participar do coral, que têm alegria de se sentirem artistas, que são apoiadas e cobradas em relação aos estudos, percam tudo isso.

Caso o pior venha a acontecer, algumas talvez migrem para os desanimados desfiles de carnaval. Neste caso, em breve veremos imagens de seus olhares tristes, emoldurados por propagandas de cerveja. Aí, como criança e álcool não combinam, espero que o Ministério Público receba nova denúncia.

Fonte: www.bonat.com.br