*Hamilton Bonat
Ao fundar a vila de São Vicente, Martim Afonso daria início à rica história da Baixada Santista, cuja trajetória poderia ser contada pelas fortificações que foram sendo erguidas como parte de um complexo plano de defesa. A primeira foi Santo Amaro, a fortaleza que, desde 1584, vigia a expansão das comunidades em torno do mais importante porto do país. Com o tempo, várias outras surgiriam, até a inauguração, em 1942, do Forte dos Andradas. Durante a Segunda Guerra, seus canhões cruzariam fogos com os da Fortaleza de Itaipu,para proteger a barra das ameaçadoras belonaves do Eixo.
Um presente que recebi de José Roberto Garcia, um entusiasta de Itaipu, motivou-me a discorrer sobre ela. Na obra Belezas da Fortaleza, com sensibilidade e talento, amantes da fotografia nos revelam detalhes despercebidos por quem não tem o dom de enxergar o belo, mesmo que esteja a centímetros dos seus olhos. Com a pontaria certeira de suas objetivas, eles retrataram a centenária Itaipu, não só sob o aspecto arquitetônico, mas e sobretudo, com uma visão humana e ambiental.
Ao folheá-la, sente-se a presença dos desbravadores, que há mais de um século enfrentaram a densa mata, abrindo caminho para a passagem dos canhões Schneider-Canet de 150 mm. Depois dos pioneiros, vieram milhares de outros, cada qual com sua própria experiência de uma nada fácil vida de soldado. Lembro-me de um, a quem tive o privilégio de conhecer, quando ali servi nos anos de 1974/75: o Capitão Galileu Ramos, ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira. Recordo-o, já idoso, fazendo questão de cumprir o expediente. Soube que, mais tarde, doente e praticamente cego, continuaria a desfilar nas paradas diárias, à frente da sua banda de música. São pessoas como ele que vêm à mente quando se visita qualquer dos baluartes espalhados pela costa paulista.
Mas a história da Baixada poderia, ainda, ser contada a partir da determinante atuação dos irmãos Andradas no processo da independência e, também, por sua visão de estadistas e sua postura ética em relação à coisa pública.
Há um episódio revelador de sua honestidade. José Bonifácio era titular da Pasta do Império e Martim Francisco, da Fazenda. Um dia, ao receber seu vencimento e colocá-lo na cartola, Bonifácio saiu à rua e, por onde passava, ia retribuindo a saudação das pessoas. Quando se deu conta, de tanto tirar e repor a cartola, o dinheiro havia sumido. Retornando ao palácio, contou o sucedido a D. Pedro. O imperador, lamentando a perda, chamou Martim e mandou que ele sacasse do Tesouro outro pagamento para o irmão descuidado. O ministro da Fazenda se recusou: “Nada disso, o senhor José Bonifácio só vence um ordenado por mês, como qualquer outro funcionário. Por isso, peço licença a Vossa Alteza para repartir com ele o meu subsídio, mas não posso pagar-lhe duas vezes”.
Por essa e outras, os Andradas são tão admirados. Por isso mesmo, são evocados em duas unidades que lhes trazem o nome: o Forte dos Andradas, no Guarujá, e o Grupo José Bonifácio, aquartelado na Fortaleza de Itaipu.
Fortificações não se aposentam. Nem morrem. Da mesma forma, são imortais os exemplos dos Andradas e de outros brasileiros, homens e mulheres, que forjaram esta Nação. Eles deveriam ressoar como ensinamento perene sobre o caráter das pessoas. Infelizmente, tudo leva a crer que os atuais responsáveis pela condução dos nossos destinos não leram as páginas vivas que eles escreveram.
Fonte: http://www.bonat.com.br