*Hamilton Bonat
Lúcio é de pouca conversa. Mas só agora, quase perto da nonagésima velinha, pois, como advogado e professor da UFPR, já foi muito de falar. Só não é recomendável criticar o seu Atlético. Aí ele volta à cátedra, como nos bons tempos de fórum ou de mestre.
Em recente visita que fiz a ele e à minha prima Yone, sua esposa há mais de 50 anos, a conversa enveredou para as balas Zequinha, assunto sobre o qual ele tem muito a contar. Não por acaso, pois é filho de João Sobania, o mentor intelectual – e olha que estamos regredindo à década de 1920 – de uma campanha publicitária digna de figurar em estudos de caso para modernos marqueteiros. Como era preciso incrementar as vendas, seu pai teve a ideia de substituir a embalagem das balas, que os irmãos Sobania fabricavam nos galpões da rua Nunes Machado, por figurinhas coloridas de um personagem que atraísse a piazada.
Na verdade, as estampas – com cara de palhaço (provavelmente do Piolin) e sua simpática gola – eram mais atraentes do que as próprias guloseimas, simples água com açúcar, que embalavam. Quem quisesse produto de melhor qualidade, que pagasse mais pelas finas Wanda, Neli ou Olga, que também fabricavam, assim batizadas em homenagem a filhas dos donos. Mas, neste caso, não levaria para casa o charme do Zequinha e, se fosse seu dia de sorte, uma bicicleta como prêmio.
Lúcio contou que o pai morrera muito jovem, deixando-o órfão aos onze anos. Enquanto ele recordava do tempo em que, ainda criança, operava a máquina de cortar balas, Yone saiu à francesa. Ao voltar, trazia um tesouro, verdadeiro segredo de estado: um álbum completo das famosas figurinhas.
Ao folhear aquela preciosidade com 200 estampas coloridas, percebi o que atraía a gurizada: as diferentes habilidades do versátil Zequinha. Ele era, ao mesmo tempo, fotógrafo, dentista, advogado e pedreiro, visitava locais históricos, gostava de folclore, era bom garfo, educado no trânsito, bom nos esportes, participava da política e de inúmeras outras atividades. Se isso atraía, os ensinamentos que transmitia agradavam ainda mais. Segundo a Yone, uma única figura foi objeto de crítica, pois nela o nosso herói aparecia embriagado, deitado ao lado de uma garrafa de cachaça, o que, convenhamos, não causaria nenhuma estranheza nos tempos atuais. Mas esta não constava do álbum.
É importante frisar que os Sobania não criaram álbum algum. Aquele que eu folheava era do final da década de setenta, muito tempo depois de a empresa ter encerrado (1968) suas atividades. Tinha sido uma tentativa do governo do estado de, valendo-se da fama de Zequinha, aumentar a arrecadação do ICM. Estimulava as crianças a trocarem notas fiscais por figurinhas.
De fato, o nome Zequinha sempre foi popular. José não tem como fugir: vira Zé, Zeca ou, para os mais íntimos, Zequinha. Até as Marias Josés, na intimidade, tornam-se Zequinhas. Quem não tem um amigo, geralmente gente boa, que atende por Zé? Pois os irmãos Sobania souberam aproveitar de tamanha popularidade. Sua bala, durante cinco décadas, liderou as paradas de sucesso em Curitiba e arredores. Nesse longo período, as figurinhas foram disputadas no jogo do “bafo” e do “tique”, ou, até mesmo, no tapa. Um fenômeno!
Antes de me despedir, comentei que, atualmente, Zequinha teria um concorrente de peso: o Joãozinho. Todo internauta já deve ter recebido alguma história sua. O diferencial é a falta de versatilidade e de educação do novo herói. Seu espaço se limita a uma sala de aula, onde Joãozinho – esperto, malandro e agressivo – não economiza palavrões e atitudes desrespeitosas a colegas e professores.
Em defesa do Zequinha, Yone foi categórica: “Nenhum outro personagem terá o seu encanto. Até porque, ele era real, enquanto os atuais são virtuais. Além do mais, Zequinha jamais diria um palavrão diante de uma mulher. Ele ficaria rubro se ouvisse o que sai da boca das meninas de hoje. Mais ainda: Zequinha jamais foi grosseiro!”. Concordei, mas, só para provocar, lembrei-a de que o criador do Zequinha foi um João. Será que, em 1920, ele já antevia a futura má-fama do Joãozinho? Não esperei pela resposta. Despedi-me e, feliz da vida, voltei p’ra casa, pois acabara de ser presenteado com a figurinha número 31, a do Zequinha no Exército.
Fonte: www.bonat.com.br
