De Noel para Fabiano

*Hamilton Bonat

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Como num ritual, os filhos de Fabiano foram chegando ao cair da noite de 24 de dezembro último. Com eles, noras, genros, netos e bisnetos. Os filhos logo perceberam algo de diferente no velho pai. Seu semblante estava mais jovial. Sequer reclamou das dores na coluna. Nem pronunciou o tradicional “Acho que este será o meu último Natal”. Mesmo que a curiosidade os aguçasse, nada lhe perguntaram. Melhor não tocar no assunto. Era questão de tempo, de esperar que o “velho” se abrisse. Dito e feito. Entre uma troca de presentes e outra, sem que nada lhe fosse perguntado, ele foi matando sua curiosidade.

Primeiro, tirou do bolso um recorte de jornal e mostrou-o ao filho mais velho: “Governo escolhe o caça Gripen NG”. Depois confessou a outros: “Papai Noel me deu um avião”. Estava explicado o bom-humor de Fabiano. Embora já estivesse reformado devido à idade, nada melhor do que um avião de presente para quem servira durante décadas à Força Aérea.

Fabiano, após ter assistido a uma demonstração da Esquadrilha da Fumaça, lá na década de 1950, decidira ser piloto. Foi aprovado em concorrido concurso. Posteriormente, concretizou o sonho de integrar a “Fumaça”. Tempos de dedicação exclusiva, exaustivos treinamentos, de preparo físico e mental, e de trabalho em equipe, pois o sucesso e a segurança de todos dependiam da destreza de cada um.

Sempre se orgulhou da visão estratégica da sua Força que, em suma, não queria que o Brasil fosse apenas um país grande, mas, também, um grande país. A independência tecnológica, especialmente no sensível setor aeroespacial, representaria importante passo para o país imaginado. Por isso, acompanhou a evolução do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) no seu esforço para formar engenheiros aeronáuticos. Viu surgir, em1969, a Embraer, que possibilitaria transformar a ciência e tecnologia do ITA em capacidade industrial. Assistiu ao primeiro voo do Bandeirante, um campeão de vendas. Já não estava mais na “Fumaça” quando, em 1983, ela recebeu o Tucano T27, outro ás da indústria aeronáutica nacional.

Quando passou para a reserva, no início dos anos 2000, a Embraer já estava privatizada. O aporte de novos recursos fez com que ela se recuperasse e tirasse da gaveta alguns projetos. Com isso, pôde ampliar sua participação no mercado de defesa e da aviação comercial. Atualmente, é uma das maiores exportadoras brasileiras e das mais importantes do setor no mercado mundial.

Ultimamente ele andava preocupado com a falta de investimento na Força Aérea. Não admitia que pilotos arriscassem a vida no cockpit dos arcaicos Mirage e F-5, e que a nação não contasse com capacidade mínima de dissuasão. A longa disputa entre o francês Rafale, o norte-americano F18 e o sueco Gripen parecia não ter fim. Dos três, o pior era o francês, que, apesar de caro e obsoleto, quase acabaria levando.

Entre o sueco e o americano, ele, como nove entre dez entendidos, preferia o primeiro. A razão era simples: o Gripen, que acabou escolhido, é o “NG” (Nova Geração), isto é, trata-se de um projeto a ser desenvolvido pela Saab em parceria com a Embraer. Ele possibilitará que a Embraer adquira o Know Why e não somente o Know How. Enquanto o Know Why capacitará a projetar novos aviões, o Know How asseguraria a fabricação de apenas um modelo. Assim, está garantido o avanço tecnológico. Ganharam o Brasil, nossa indústria, nossos técnicos e engenheiros. Ganharam os familiares de Fabiano, pois, por ainda sonhar com um Brasil grande, como por milagre, até sua coluna parou de doer.

Fonte: http://www.bonat.com.br/