Descaso: perfeito homônimo maranhense

*Hamilton Bonat

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Homógrafos são termos que, embora escritos da mesma forma, têm sentido diferente. Se, além disso, tiverem a mesma pronúncia, são ditos homônimos perfeitos.

Descaso é um exemplo. É a terceira pessoa do singular do verbo descasar e, também, o substantivo que denota desprezo e falta de consideração, o mesmo com que nossas autoridades têm tratado a segurança pública. Não somente ela, mas outros setores, como educação, só para citar um.

Há políticos que buscam se esconder sob o pensamento de Victor Hugo, segundo o qual “quem abre uma escola fecha uma prisão”. Victor Hugo, aplicado na Suécia, deu bons resultados. Mas, ao que parece, algumas teorias só dão certo quando aplicadas nos países nórdicos. Por aqui elas teimam em não emplacar. Mas a Suécia é a Suécia. Enquanto seus políticos dão exemplos de ética no trato da coisa pública, os nossos tratam-na como se fosse propriedade sua. A partir daí, procurar levar vantagem passa a contaminar toda a sociedade.

É triste constatar o quanto estamos mal, muito mal. Além de não abrirmos mais escolas, também não construímos mais prisões, estas sim verdadeiras escolas, mas do crime. Elas deveriam ser minimamente seguras e civilizadas. Não é possível apinhar numa só cela dezenas de pessoas, mesmo sendo criminosas. É preciso separar um simples batedor de carteira, perfeitamente ressocializável, de um traficante com inúmeros assassinatos nas costas, que dificilmente abandonará sua atividade delituosa quando voltar à liberdade. Grosso modo, é o que acontece em todo o país, não só no Maranhão.

Mas a bola da vez foi o Estado governado há meio século pela mesma família. A gota d’água foram as cabeças decepadas na penitenciária de Pedrinhas, terrível imagem que a internet espalhou pelo mundo. Aquelas cabeças tristemente cortadas nos fazem lembrar de outras duas palavras homônimas. Capita e capta, classificadas como homônimas homófonas, pois têm o mesmo som, mas sua grafia é diferente.

Capita é latina e significa cabeça. É ela quem comanda o corpo. Deu origem a capital – onde se situa a cabeça de um país, de um estado – pois é nela que se instalam aqueles que comandam o destino dos cidadãos.

Por comandar, a capital arrecada (capta) dinheiro através dos impostos. Mas o ato de comandar não se esgota aí. Nesta importante ação deve (ou deveria) estar subtendida a aplicação correta dos recursos arrecadados, a fim de promover o desenvolvimento equilibrado e harmonioso de toda a sociedade.

No Brasil, parece que a capita anda separada do corpo, como bem sugerem as trsites cabeças da penitenciária de Pedrinhas. Dessa vez, deram azar os que governam o Estado como se fosse uma capitania hereditária, pois, enquanto as fortes imagens se espalhavam pelo mundo, descobriu-se a capita maranhense lançara uma licitação a fim de adquirir 2,5 toneladas de camarão, 750 quilos de patinha de caranguejo, 80 de lagosta e 180 de salmão para saciar a fome nas residências oficiais.

Um verdadeiro descaso, deboche mesmo, com o cansado corpo do qual se arrancam aviltantes impostos.

Hamilton Bonat pertence ao quadro de Associados Efetivos da Academia de Letras José de Alencar

Fonte: http://www.bonat.com.br/