Abriladas

*Hamilton Bonat

Abril 2014

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Abril começa com uma mentira. Tem também o dia do Exército, do índio, da Páscoa, de Tiradentes, do descobrimento, da inauguração de Brasília. Cada dia, enfim, é dedicado a alguém, a alguma instituição ou nos lembra de algum evento histórico ou religioso. Fechando as cortinas, 30 de abril é o dia nacional da mulher e do ferroviário. É também a data-limite para declarar a renda. Aí, não convém mentir.

Neste ano, comemora-se ainda o centenário de nascimento de Dorival Caymmi, o mais baiano dos cariocas, um dos mais inspirados compositores brasileiros, autor, entre outras, da brilhante “Saudade da Bahia”.

Entretanto, 2014 foi pródigo em abriladas. Por isso mesmo, não encontrei até agora motivos nem inspiração para escrever. Confesso, caríssimo leitor, que não vejo a hora de maio chegar. Além do mais, não gosto de aborrecer quem me dá a honra de ler, pois todos têm lá os seus próprios problemas. Se você não quiser potencializá-los, sugiro pular logo para o último parágrafo, onde dou a boa notícia do mês. Antes, vamos às abriladas.

Petrobras sendo afundada. Os responsáveis dizem que o “mau negócio” foi culpa de um assessor dos conselheiros da empresa, mas não explicam por que o mesmo e trapalhão assessor, passados vários anos, continua ocupando elevado cargo na empresa.

Inflação em alta, crescimento em baixa, impostos nas alturas.

Com o punho cerrado, à la nazista, deputado desrespeita o Presidente do Supremo. Descobre-se que o mesmo parlamentar é muito ligado a doleiro pouco honesto.

A Copa se aproxima. Só se fala em bilhões. Morre Luciano do Valle. A FIFA marca em cima. Mais pontapés em nossa bunda, e todas as arenas-padrão ficarão prontas. Mas nada de melhoria para a população.

Para garantir a segurança durante o bilionário evento, mandam o Exército, mais uma vez, subir o morro. Filhinhos de papai, de Copacabana ao Leblon, protestam. Não vivem sem a droga. Brasília continua muito simpática a mandatários de países vizinhos e às FARC, cuja produção precisam desovar por aqui. Enquanto isso, soldados arriscam-se contra pequenos, mas fortemente armados, traficantes. Quando em vez, morre um inocente. Aí, prenda-se o soldado.

Ônibus, ao custo unitário superior a R$ 500 mil, são incendiados todos os dias no Rio e em São Paulo. Crianças sem aula (professores em greve), povão sem segurança (policiais em greve), cidades imundas (garis em greve). Ameaça de racionamento de energia elétrica e de água.

Proliferam as comissões da verdade. Seus membros recebem ótimos salários, voam pra lá e pra cá, hospedam-se em hotéis de luxo. Descobrem que os milicos não mataram Juscelino, mas, certamente, um imparcial legista cubano logo dirá que mataram Jango.

Médicos cubanos continuam desembarcando aos bandos. Mesmo assim, brasileiros insistem em morrer nos corredores dos hospitais.

A Ucrânia perde a Criméia. O gigantesco Império Russo não abre mão do seu quintal. Os europeus temem passar o inverno sem calefação.

Sírios matam sírios. Iraquianos matam iraquianos. Na África e em outros lugares, muçulmanos matam não-muçulmanos.

Por fim, a boa notícia do mês que se vai: hoje, 26 de abril, revivi meu saudoso tempo de piá. Deliciei-me com uma lambarizada. Não quero com isso causar inveja a ninguém. Minha única intenção foi expressar minha alegria por constatar que nem todos os rios estão poluídos. Não é uma boa nova?

Hamilton Bonat é membro efetivo da Academia de Letras José de Alencar

Fonte: http://www.bonat.com.br/