*Hamilton Bonat
Março de 1987 ![fotos_papai_noel[1]](https://i0.wp.com/www.bonat.com.br/wp-content/uploads/2014/12/fotos_papai_noel1-150x150.jpg)
Divulgada no jornal, a confusão na Sierra Maestra custara a vida de um garçom. A viúva estava desesperada, pois o patrão não pagara os encargos sociais do falecido. Petrolino dobrou o jornal. Pela janela, viu passarem ônibus, todos lotados. No seu, climatizado, ninguém ia em pé, exceto em dias de protesto, como aquele. Circulando pelo corredor, o representante do sindicato dava instruções de como proceder quando parassem na entrada da refinaria.
Petrolino era extremamente dedicado à Empresa. Ganhava muito bem. Numa época de dólar supervalorizado, os reajustes salariais acompanhavam as variações da moeda americana. O combustível mais caro levava a inflação às alturas. Consciente disso, Petrolino considerava exageradas certas reivindicações. Se pudesse, não desembarcaria. Mas não teve opção. Um carro de som bloqueava a passagem dos ônibus, enquanto piqueteiros ameaçavam quem tentasse prosseguir a pé.
Entusiasmado pela presença da imprensa, o presidente do Sindipetro deitou falação por mais de hora. Lá do alto, bradou por outro reajuste. Entre tantas benesses, exigia ônibus novos para os funcionários (Petrolino lembrou do povão no busão), mais direitos sociais (aqueles negados à pobre viúva do garçom da Sierra Mestra) e o mesmo adicional de periculosidade – inclusive para os membros do sindicato – que, merecidamente, percebiam os petroleiros que se arriscavam nas plataformas da Bacia de Campos. Ao encerrar, sua voz irada ameaçou com nova greve.
De volta ao ônibus, Petrolino foi questionado pelo vizinho de poltrona se ouvira falar na boate Sierra Maestra. – “Li algo a respeito”. – “Sabe quem é o dono? O moço que acaba de deitar falação”. No dia seguinte, o líder petroleiro foi primeira página dos jornais. Do proprietário da Sierra Maestra, embora fossem a mesma pessoa, nunca mais se falou.
Janeiro de 2007
Após 35 anos de trabalho, Petrolino se aposentou. Passou a ser, apenas, o morador do quinto andar. Amargurado, percebeu que ninguém se lembrava da sua dedicação à Empresa, enquanto antigos líderes sindicais tinham alçado aos mais elevados cargos.
Decidiu reagir. Mergulhou nas obras de Jean-Paul Sartre e Rimbaud. Descobriu que sua vocação, como a dos sindicalistas, era ser de esquerda. Mas queria ser mais, não um esquerdinha qualquer. Seria de “gauche”!
Passou a saudar a todos com um “bonjour” e a tratar de modo raivoso aquele burguês, dono da mercearia que o explorava. Precisava mudar o visual, pois imagem é tudo. Deixou crescer barba e cabelo. Eram brancos, mas pouco importava. Inspirado em Fidel, comprou um par de botas, uma boina e uma camisa vermelha. Para impactar, providenciou uma calça igualmente vermelha, ou “rouge”, como dizia para impressionar os vizinhos. Com a radical vestimenta, perambulava ruidosamente pelo bairro, pregando a revolução.
Dezembro de 2007
A filha chegou para passar o Natal. Petrolino queria mostrar-lhe o quanto tinha evoluído. Aguardou-a vestido a caráter. Quando a porta se abriu, os netos correram para abraçá-lo: “Papai Noel, nós te amamos!”
Rendido à pureza das crianças, o radical Petrolino só esperou o Natal passar. Raspou a barba e rasgou a fantasia, que passou a tachar de “ridicule”.
Voltou a ser o velho Petrolino, feliz por ter ajudado, honestamente, a Petrobras, orgulho dos brasileiros, a tornar-se respeitada no mundo todo.
Dezembro de 2014
A Sierra Maestra deixou de existir. Da viúva do garçom nunca mais se ouviu falar. Seu proprietário, porém, agora alto dirigente de empresa estatal, continua vivo.
Em jornais e revistas, o bilionário escândalo descoberto pela Operação Lava Jato é manchete. Petrolino se aborrece. Encontra o nome de antigos sindicalistas envolvidos em supostas falcatruas. Mas não se surpreende, pois, se já nos anos 80, eles procuravam tirar tudo o que podiam da Empresa, agora, que se consideram os seus donos, acreditam que não devem satisfação a ninguém, nem mesmo a Noel, que vem aí, por coincidência, todo de vermelho radical.
Hamilton Bonat é membro efetivo da Academia de Letras José de Alencar
Fonte: http://www.bonat.com.br/