CRISE: EXISTEM ALTERNATIVAS PARA SAÍDA DO IMPASSE BRASILEIRO DE NOSSOS DIAS

Rafael de Lala (*)

Em cena a urgência nas reformas do sistema de representação (voto distrital misto) e no sistema de governo (presidencialismo-parlamentarizado) =/= Brasil, país cordial, tende à conciliação.

         A mobilização das ruas nesta semana, acentuando uma polarização extrema, poderia desembocar no caos (André Singer, Folha de S.Paulo, 14mar15) ou num impasse (Marina Silva, idem, 15mar15), ou ainda, paralisia decisória no país. De fato, o Brasil enfrenta uma clivagem – convergência de crises nas áreas econômica e política, que revela certa ciclotimia histórica analisada pelo acadêmico José Murilo de Carvalho. O intelectual lamenta nosso imediatismo e “auto-sabotagem” que só pode ser superada com bom senso.

         Até o tradicionalmente otimista publicitário Washington Olivetto concorda que o país vive um ciclo de “desotimismo” e “falta de astral” (FS, 14mar15). Mas o brasileiro cordial (na acepção de Sérgio Buarque de Holanda), sempre resolveu seus impasses de forma relativamente incruenta, à diferença de outros povos, inclusive vizinhos hispano-americanos.

         Nessa linha propomos, para exame de nossos colegiados, duas alternativas de superação do impasse: na representação, a introdução do voto distrital misto aplicado na Alemanha; no sistema de governo, o presidencialismo parlamentarizado vigente na França.

         DISTRITAL MISTO

         Falando por delegação do governo federal, o ministro da Justiça concordou com a necessidade e urgência da reforma política, a começar pelo regime político-eleitoral.

         Líderes do movimento pelo voto distrital, Emygdio Carvalho e Ricardo Borges Martins, argumentam que as disfunções na eleição de representantes derivam do atual modo proporcional. Para exemplo, somente no Paraná, a Operação Lava Jato revelou que recursos derivados do escândalo da Petrobrás foram canalizados para candidatos estaduais de 12 partidos; isto é, os políticos de mandato federal se coligaram indiferentemente à direita, centro e esquerda com postulantes locais.

         Em suma, despejaram milhões pelo estado afora, para angariar votos, sem guardar qualquer coerência partidária ou responsabilidade para com os eleitores que teoricamente entendem representar. Por isso – argumentam aqueles ativistas – “melhor do que exigir a substituição de peças, seria compreender o porquê (dessa crise de representação) e a importância de alterar o sistema político”.

         À diferença do atual modelo de eleição proporcional por lista partidária aberta em que milhares de candidatos percorrem o território de todo um Estado à cata de apoiadores (que por sua vez, têm que conquistar eleitores), pelo voto distrital, o deputado fixa próximo do seu eleitor, que pode fiscalizá-lo e acompanhar seu desempenho. Alguns questionam que esse processo tende a favorecer o localismo, a corrupção pela concentração de poder econômico numa só localidade, etc. De fato, ao longo do Império tivemos as “notabilidades de aldeia” – assim questionadas pelo marquês do Paraná, um lúcido estadista da época.

         Para obviar tal inconveniente os alemães do pós-guerra temperaram o princípio distrital puro (praticado nos países de língua inglesa) com o sistema distrital misto. Por ele, cada cidadão tem dois votos: dá o primeiro para o candidato inscrito em seu distrito eleitoral (bairro de cidade grande ou comarca do interior, etc). Mas o segundo voto é dado para um candidato inscrito na lista de seu partido político de preferência.

         Assim, as Câmaras resultantes guardam equilíbrio entre a representação local e a dimensão nacional, permitindo compor o Parlamento tanto com o político paroquial quanto com o líder de prestígio. O sistema distrital misto enseja outra vantagem: a governabilidade, que evita a só participação, no processo, de correntes políticas de orientação doutrinária diferenciada; geralmente minorias articuladas mas que acabam não representando o conjunto da nação.

         A Alemanha evitou essa fragmentação partidária que desestabiliza os governos e exige negociações custosas de cooptação (como tem se registra no Brasil). Na França também, a extrema fragmentação derivada do voto proporcional tornou o país ingovernável até 1958, quando De Gaulle forçou a introdução do sistema distrital: qualquer partido pode apresentar candidatos de primeiro turno em um distrito eleitoral, mas no segundo turno concorrem apenas os dois candidatos mais votados, dentro de um principio que resulta majoritário.

         Entre nós a transição para o voto distrital poderia ocorrer desde logo, com a emenda já apresentada no Senado. Ela valeria no pleito municipal do próximo ano, experimentalmente em cidades com 200 mil eleitores ou mais; sendo progressivamente ampliada para os demais pleitos até 2018.

         EXPERIMENTO PARLAMENTAR

         Caos, golpe, paralisia governamental, “impeachment”… há uma perplexidade na atual conjuntura, que se não for acudida prosseguirá num crescendo até abeirar o caos entrevisto na abertura deste ensaio. Sistemas presidencialistas são estruturalmente vulneráveis a essas crises de conjuntura, como demonstra a História. A exceção confirmatória da regra é o modelo original, dos Estados Unidos; mesmo assim sujeito a impasses como o atual conflito com o Congresso que dificulta o final da gestão do presidente Obama.

         No caso em tela, sem encurtar o mandato presidencial em curso, porém respondendo à crise, coloca-se a alternativa do parlamentarismo, que entre nós vigorou durante o Império e foi novamente adotado em 1961 como saída para o impasse gerado com a renúncia do então presidente Janio Quadros e a rejeição de setores representativos ao vice-presidente João Goulart.

Com o aperfeiçoamento derivado da observância dos erros então praticados e, pela comparação com o modelo aplicado em outros países, é possível construir um sistema de governo parlamentar viável.  Seria um “presidencialismo parlamentarizado” que transferiria poderes presidenciais para uma Administração – o Governo em si -, responsável perante o Congresso. A nova estrutura poderia se revestir da escolha de um Ministro-coordenador do gabinete ministerial; termo menos óbvio que a mudança para o cargo clássico de Primeiro-Ministro; até se partilhando um conjunto de atribuições entre esse titular e o Presidente da República, caso da França.

         No Brasil, o erro principal dos homens públicos que, em 1961, colocados ante a emergência de um impasse, optaram por resgatar a emenda parlamentarista de Raul Pilla, do Partido Libertador, foi a temporariedade da função do Primeiro-ministro – que, titular de mandato de deputado – foi forçado a deixar o cargo para disputar a eleição seguinte para deputado federal por Minas Gerais. Não se previa a hipótese de o Primeiro-Ministro (ou chefe do Gabinete Ministerial) disputar mandato eletivo dentro do cargo executivo, como na Inglaterra.

         Também operou contra a consolidação do novo sistema (parlamentarismo) a cupidez de políticos infelizmente já falecidos mas não absolvíveis perante a História – Benedito Valadares, Juscelino Kubitscheck e outros próceres do então PSD. Ávidos de poder imediato (aliás como todo político deve ser),  eles caíram no canto de sereia do então presidente da República e aceitaram antecipar o plebiscito que derrubaria a limitação de poderes do Sr. Jango Goulart, cf. narrou um observador próximo aos acontecimentos, o colunista político Carlos Castello Branco

         PORTUGAL E ALEMANHA

         Contra o argumento de que parlamentarismo no Brasil não daria certo, levando a constantes quedas de gabinetes ministeriais, opomos a experiência de países comparáveis, como Portugal e Alemanha.

         Pela Constituição da República Portuguesa, revisada em 1987, a formação do Governo deriva de convite formulado pelo presidente da República ao líder do partido vencedor nas eleições gerais. O líder encarregado de formar o governo deve se apresentar à Assembléia Nacional com um plano de gestão e a lista dos candidatos a ministros. Aprovado, começa a trabalhar até que enfrente um voto de censura da Assembléia. Mas essa moção de desconfiança ao governo só pode ser apresentada por um quarto dos deputados e, negada pela maioria absoluta da Assembléia, não pode ser reapresentada no mesmo ano.

         Na Alemanha a restrição é ainda maior: o voto de desconfiança ao Governo só pode ser encaminhado desde que o Parlamento eleja, ao mesmo tempo e por maioria absoluta, um sucessor do Primeiro-Ministro. Outra hipótese é o Chanceler federal (o primeiro-ministro) pedir ao Parlamento um voto de confiança para seu plano ou sua linha para a solução de um assunto político. Se negada a moção de confiança pedida, o titular do Governo pode solicitar ao presidente da República a dissolução do Parlamento, para que o povo se pronuncie sobre o impasse. No ínterim o chanceler e seu governo devem continuar na função, só saindo dos cargos quando forem eleitos os respectivos substitutos.

         Tais restrições, mais o sistema distrital para a composição do Congresso conjugado com uma cláusula de barreira que aborta aventuras partidárias, conferem a tais países uma estabilidade visível. Operando em paralelo, como modelo de amortecimento de crises, por dividir o poder executivo entre dois entes – o Chefe de Estado, permanente, e o Chefe de Governo (Primeiro-ministro) variável – esse modelo permite, em essência, um padrão de governabilidade sem os solavancos habituais em regimes presidencialistas e, que no limite, fortalecem a Democracia e o desenvolvimento da nação.

Curitiba, 19 de Março de 2015

Rafael de Lala, jornalista e bacharel em Direito, coordenador do Centro de Estudos Brasileiros, do Paraná.

Fonte: Associação Paranaense de Imprensa – API

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