Inverno Estatizado

* Hamilton Bonat

Primeiro domingo de mais um julho curitibano. Frio para pinguim algum botar defeito. Paco ensaia se levantar. Senta na beirada da cama, mas logo desiste. Volta a deitar. Cobre-se da cabeça aos pés.

Resigna-se, pois há milhares de outros que, como ele, adotaram e foram adotados pela Curitiba do clima frio. Mas, no seu caso, existe um agravante: é dono de uma sorveteria
.
Paco tornou seus sorvetes famosos. Conseguiu sobreviver aos rigorosos invernos, quando, literalmente, seu negócio sempre hiberna. Mesmo assim, quem produz gelo, se for honesto, competente e dedicado, vence até em terra de pinguim. Em contrapartida, pessoas desonestas e incompetentes conseguem quebrar valiosas empresas de petróleo, um dos produtos mais cobiçados do planeta.

É nisso que Paco pensa, ainda debaixo das cobertas. Lembra de outros moradores, estes compulsórios, de Curitiba. Devem odiá-la. Prometem nunca mais voltar, nem no verão. Consideram-na sem graça alguma, mas achavam engraçado ter nas mãos a chave do cofre da Petrobras.

Claro que logo irão embora. Nossa presidente já afirmou que delação, premiada ou não, nada prova. “Eles têm direito à defesa”, afirmou em recente visita aos seus inimigos americanos. Paco concorda. Mas estranha que a Comissão da Verdade, criada pela mesma presidente, e que continua por aí esbanjando dinheiro público, não tenha dado o mesmo direito a centenas de pessoas, quase todas mortas. Jogou seus nomes na lama, relacionando-os no rol de torturadores e assassinos.

Os atuais moradores de Curitiba contam com excelentes advogados. É bem possível que se saiam bem. Mas, se der “zebra”, bem que poderiam ser também relacionados no rol dos assassinos, pois os bilhões que desviaram teriam salvo muitas vidas que lotam as filas do SUS. Além do mais, mataram um velho e querido sonho dos brasileiros: a Petrobras. Enfiaram-no em seus bolsos, suas cuecas e em suas contas em paraísos fiscais, estes sim o símbolo maior do capitalismo selvagem que simulam combater.

Paco aguarda ansioso pelo fim do inverno. Com a mesma ansiedade, espera que seus compulsórios vizinhos retornem logo às suas origens. E que nunca mais apareçam, pois teme que um dia eles resolvam estatizar a Paco’s Sorvetes.

*Hamilton Bonat é membro efetivo da Academia de Letras José de Alencar

Fonte: http://www.bonat.com.br

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