A pauta-bomba de cada um

*Hamilton Bonat

A dificuldade de expressão da nossa presidente é de doer. Suas falas são ininteligíveis. Mas de pauta ela é boa. Na campanha presidencial, pautada por caríssimos (e, reconheçamos, competentes) marqueteiros, ela conseguiu, ao menos uma vez, fazer-se entender. Embora chula, a frase “nem que a vaca tussa” não deixava dúvidas. No seu segundo mandato, continuaríamos vivendo num país dourado.

No último dia 3, decorridos apenas sete meses da sua nova gestão, a presidente convocou os 27 governadores. O salão palaciano, onde se deu a reunião, provavelmente devia parecer vazio. Se levarmos em conta que dispomos de 39 ministros, 12 cadeiras certamente estavam desocupadas.

Assunto: a pauta-bomba do Congresso. Mas que perigosa bomba estaria contida na tal pauta? Nada mais, nada menos, do que as promessas de campanha, aquelas que não iriam mudar nem que a vaca tossisse.

Pois não é que até o boi voou, a Petrobras quebrou, o PAC empacou, a inflação disparou, o PIB despencou. E nada de o cinto apertar. Enquanto isso, os 39 ministros e seus milhares de assessores permanecem em seus cargos, “imexíveis” no linguajar de um culto ex-ministro. Afinal, eles são de confiança… Além do mais, devem ser muito competentes: conseguiram a proeza de fazer até uma vaca tossir. Por isso devem custar tão caro.

Pautar é um verbo fácil de conjugar. Difícil mesmo é ser pautado. Muito tempo atrás, um garoto de 19 anos estava pautado para morrer, mas não sabia. Ingenuamente, ele correu para socorrer as pessoas que estariam num automóvel que havia se chocado contra o muro do quartel onde dava guarda. Não havia ninguém dentro. Apenas bombas. Quando explodiram, nada sobrou do pobre menino. Os que haviam pautado o seu assassinato devem ter comemorado numa verdadeira festa de arromba. É de supor terem ligado logo para Fidel, comunicando ao “comandante” sobre o sucesso da sua pauta-bomba.

Tempos depois, Celso Daniel, “companheiro” e prefeito de Santo André, teve um surto de honestidade. Sem saber, também seria pautado para morrer. Mas, como, ao que parece, tinha informações importantes, sofreu alguns dias, antes de pagar com a vida, de ser justiçado.

Você já percebeu, caríssimo leitor, que hoje estou com dificuldade para me expressar. Creio que “peguei a doença”… Preciso me ver livre logo desse mal, que parece contagioso.

Só resta inspirar-me em Cícero, grande orador, advogado, filósofo e político romano, honesto, é bom frisar. Vamos supô-lo ressuscitado aqui mesmo no Brasil. Inteligente, dispensaria marqueteiros. Culto, veria que as falas presidenciais são sem pé nem cabeça. Esperto, se candidataria à presidência da república. Mesmo sendo o “orador dos oradores”, decidiria falar de modo que ninguém o entendesse. Ao invés de “sem pé nem cabeça”, optaria pelo latim: “nec caput nec pedes”.

Quem sabe, não resolveria encerrar um dos seus comícios com o agora famoso “nem que a vaca tussa”? Mas o pronunciaria também em latim, de forma que todos o aplaudissem, sem que ninguém tivesse entendido.

Compreendeu? Creio que não. Se pudesse, eu desenharia. Mas não possuo esse dom. Nem um simples traço meu, você entenderia. Uma vaca, então… Tossindo, menos ainda…

*Hamilton Bonat é membro efetivo da Academia de Letras José de Alencar

Fonte: http://www.bonat.com.br/

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