Seguindo uma tendência mundial, desde a primeira metade do século passado, o legislador brasileiro tem elaborado dispositivos legais objetivando a defesa das pessoas que dependem de atendimento na saúde e necessitam da atenção médica.
Na linha de proteção ao direito a saúde estabeleceu no Código Penal um capítulo destinado a tipificar os crimes contra a saúde pública. Assim o capítulo III do Decreto-Lei nº 2.848/1940 relaciona e classifica esses crimes.
No capítulo há descrição dessas condutas delituosas que vão desde o crime de epidemia (art. 267), passando pelos crimes de fornecimento de medicamento em desacordo com receita médica (art. 280), de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282), de charlatanismo (art. 283) e de curandeirismo (art. 284).
Há também outras regras legais como a do artigo 10, inciso III, da lei nº 6.437/77 que dispõe sobre os crimes hediondos nas quais, tanto os empregadores como os prestadores de serviços que se utilizam do trabalho de profissionais em situação irregular, podem ser enquadrados e, em decorrência, penalizados.
O inciso III do artigo 10, dessa lei enquadra os responsáveis em prática de crime hediondo e estabelece pena de advertência, intervenção, interdição, cancelamento da licença e/ou multa, para os que instalam ou mantém em funcionamento consultórios médicos, odontológicos e de pesquisas clínicas, entre outras atividades de saúde com a participação de agentes que exerçam profissões ou ocupações técnicas e auxiliares relacionadas com a saúde, sem licença do órgão sanitário competente ou contrariando o disposto nas demais normas legais e regulamentares pertinentes.
Ainda, visando proteger o direito à saúde, o legislador criou mecanismos extrafiscais de prevenção e controle desses desvios de conduta editando outras normas, como por exemplo, as que estabelecem a necessidade da apresentação de certos documentos com os requerimentos para a concessão de registros, alvarás, licenças de funcionamento e para a participação em concursos e concorrências públicas ou administrativas.
Além das atribuições, dadas aos órgãos da administração pública direta e indireta, foram delegadas responsabilidades aos sindicatos para o auxilio ao combate de exercício ilegal da profissão.
O legislador em consonância com o regramento penal, atento em coibir condutas delituosas, adotou mecanismos preventivos. Um exemplo é o regramento da contribuição sindical previsto no Decreto-Lei 5452/43 (CLT) nos pontos relativos aos profissionais liberais.
Aos sindicatos de profissionais da saúde as regras são úteis para auxiliar a prevenção do charlatanismo, curandeirismo e do exercício ilegal da profissão.
Ao considerar essencial a apresentação de documento comprovante da quitação e do recolhimento da contribuição sindical nas concorrências públicas ou administrativas e também fornecimento para as autarquias (CLT, art. 607), procura garantir que os contratados/empregados estejam regularmente qualificados e integrem a categoria profissional respectiva.
Nestes tempos de terceirizações desenfreadas, o controle da quitação/recolhimento da contribuição sindical, caso efetivado na forma da lei, revela-se útil para evitar que, por exemplo, uma empresa prestadora de serviços na área médica tenha, entre seus quadros, profissionais que não foram habilitados para tal.
O controle que se faz, por meio do cruzamento de informações entre os órgãos fiscalizadores e o sindicato, dá garantias mínimas de que o profissional relacionado entre os empregados/prestadores de serviço integra a categoria médica.
A questão é tão relevante que a lei considera nulos os atos das repartições federais, estaduais ou municipais que concederem registro ou licenças para funcionamento ou renovação de atividades aos profissionais liberais inadimplentes com a contribuição sindical e reitera a exigência de sua quitação (CLT art. 608, Parágrafo único).
Assim, não é por acaso que momento das inscrições junto aos Conselhos de Medicina está presente a exigência do artigo 608 da CLT. Ou seja, as autarquias e demais órgãos federais, estaduais e municipais não podem conceder registros, alvarás aos que requerem as inscrições respectivas sem que comprovem a quitação da contribuição sindical.
A regra prevista na CLT foi incorporada pelo artigo 2º § 1º do Decreto n.º 44.045, de 19 de julho de 1958 que regulamentou os conselhos de medicina.
Não é por acaso que a habilitação médica para o exercício profissional decorre, inicialmente, do preenchimento dos requisitos essenciais estampados no decreto regulamentador e o registro na especialidade é feito no órgão fiscalizador.
A inquietação com a possibilidade de ocorrência de crimes contra a saúde, em especial os tipificados nos artigos 282, 283 e 284 do Código Penal é tão grande que levou o legislador à radicalização contida no artigo (CLT, art. 599) que estabelece a pena de suspensão do exercício profissional.
Nesse sentido, conforme já mencionado, ao se cotejar o conjunto de regras envolvendo o registro dos profissionais liberais, em especial dos médicos, percebe-se com clareza que o cuidado da lei extrapola a questão fiscal e alcança o aspecto extrafiscal do tributo, este garantidor da qualidade da assistência a saúde.
O regramento visa, sobretudo, criar mecanismos e estabelecer barreiras que minimamente previnam o risco de alguém ser atendido por profissional não qualificado.
Não obstante o arcabouço legal, atualmente, o que se vê é, de um lado, é o crescente número de contratações precárias por organizações sociais, operadoras de planos de saúde, e de outra banda, são autarquias e gestores públicos deixando de lado os comandos fiscais e extrafiscais da CLT, entre outros. Os crimes já mencionados correm soltos e seus resultados produzem dano crescente aos usuários dos sistemas de saúde.
Concretamente as consequências do descuido estão presentes nas notícias sobre exercício ilegal da profissão. Praticamente toda semana toma-se conhecimento da gravidade e alto preço pago pelos usuários dos sistemas de saúde que vem sendo atendidos por pessoas inabilitadas e irregulares para o exercício profissional. Em alguns casos o custo é a própria vida. Culpa de quem? Precisamos identificar e classificar responsabilidades.
Conclui-se, portanto, que as consequências legais decorrentes da falta de pagamento da contribuição sindical visam, não apenas salvaguardar a arrecadação, mas, sobretudo em relação aos profissionais liberais (empregados ou não), criar garantias mínimas de que aquele profissional no exercício de determinada atividade seja da respectiva profissão e, esteja regularmente inscrito nos órgãos competentes. Tais efeitos visam tutelar valores como os direitos à vida e a saúde dos usuários/consumidores dos sistemas de saúde.
*Mario Antonio Ferrari
Presidente do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná (Simepar)
Secretário Geral da Federação Nacional dos Médicos (Fenam)
