Especialistas discutem os desafios do transporte público de Curitiba para próximas décadas

Encontro reuniu sindicalistas, estudiosos, políticos e especialistas no tema para debater soluções para o transporte. Créditos: Valdir Amaral/Alep

O modelo do transporte público que será empregado por Curitiba nas próximas décadas foi discutido nesta quarta-feira (12) na Assembleia Legislativa do Paraná durante a audiência pública “O futuro do Transporte Coletivo de Curitiba: rumos e desafios”. O encontro reuniu sindicalistas, estudiosos, políticos e especialistas no tema para debater soluções para ampliar a utilização e como aumentar a qualidade do serviço. O proponente do encontro, deputado Goura (PDT), lembrou que o contrato do transporte coletivo da capital se encerra no ano que vem e uma nova licitação deve ser realizada. Para o parlamentar, este é o momento para discutir uma nova modelagem e de que forma ele vai funcionar.

Segundo o deputado, o sistema de transporte público de Curitiba deixou de ser um exemplo e passa por um momento de estagnação, perdendo passageiros a cada ano. Goura lembrou que em 2010 os ônibus de Curitiba transportaram 23 milhões de passageiros. Em 2024, este número caiu para 9,3 milhões. A última licitação para concessão do transporte público da capital paranaense foi realizada em há 14 anos.

“Queremos construir perspectivas que, em nosso entendimento, tem de estar presentes no novo edital, entre elas a redução da tarifa, a acessibilidade, a visão da intermodalidade, em que o ônibus esteja integrado com a bicicleta, com o automóvel, entre outros. Temos de pensar a mobilidade como um serviço, com a proposta de bilhete único em Curitiba, que sirva para a população usar em quantas viagens ele quiser. São estas propostas que estamos trazendo para contribuir nesse debate tão importante”, frisou o parlamentar.

O sistema de transporte público de Curitiba é integrado a 15 municípios da região metropolitana, com mais de 60 linhas de ônibus. Já a capital possui mais de 250 linhas. De acordo com a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), órgão responsável pela gestão do transporte público na RMC, o número de usuários caiu em torno de 28% nos últimos sete anos. Em 2022, a média registrada foi de 62,9 milhões de passageiro. Em 2015, este número ultrapassava os 87,5 milhões de usuários do serviço.

A queda de usuários em Curitiba e Região Metropolitana segue uma tendência nacional. De acordo com dados publicados no Anuário 2022-2023 da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, o declínio em todo o País chegou a quase 25%. De acordo com o levantamento, a diminuição chegou a 24,4% entre 2019 e 2022.

Novo olhar

Para o pesquisador Lucio Gregori e defensor da universalização do transporte público, o problema da discussão e a saída está na mudança da abordagem sobre o sistema. “A verdade é que o transporte é regulado por um equívoco gigantesco quando a tarifa é considerada o custo do sistema. O passageiro é receita, não custo. Na pandemia, quando desabou o número de passageiro, não desabou o custo do sistema, e sim a receita”, explicou.

Segundo ele, é preciso mudar isso. Gregori lembrou que o custeio do transporte coletivo é de exclusividade do município. Para o pesquisador, isso é um absurdo. “O transporte público serve para economia como um todo. Estado e União devem contribuir. A empresa não deve ter nada a ver com o que vai transportar. Ela não tem a necessidade de ter linha rentável ou não e sim passa a ser remunerada por quilômetro rodado. Isso quem determina é o poder concedente. Temos condições de implantar a tarifa zero. Chega de discutir. Tudo o que foi proposto antes não valeu”, reforçou.

A engenheira civil e pesquisadora para o desenvolvimento do transporte público e promoção da acessibilidade urbana, Tainá Andreoli Bittencourt, lembrou como o transporte se torna cada vez menos atrativo para o usuário com uma tarifa cada vez mais cara.  “Quando falamos de transporte, o que vem em mente geralmente é a tarifa paga pelo usuário. De fato, Curitiba tem a mais cara do Brasil. É uma tarifa inacessível para a população. Por exemplo, para os 25% mais pobres da cidade, duas viagens por dia custa no mês 22% do seu orçamento. Quando a tarifa fica cara, você contribui para que o transporte fique menos atrativo. A qualidade da infraestrutura tem se degradado nos últimos anos, seguindo a tendência nacional. A idade média da frota é a mais velha em 27 anos. Isso diminui a qualidade do serviço”, ressaltou.

Para a estudiosa, há a possibilidade de se criar uma série de mecanismos para financiar o sistema. “Estes recursos podem vir da circulação dos carros, com mais cobrança de estacionamentos rotativos. Em 2022, Curitiba arrecadou R$ 23 milhões em 21 mil vagas. O potencial poderia chegar a mais de R$ 1 bilhão. Também é possível realizar a cobrança dos empregadores. Nesses moldes, estamos falando de recursos de verdade para sustentar o sistema. Com a nova licitação, temos agora uma janela de rediscutir isso”.

Acessibilidade

O diretor do Instituto Paranaense de Cegos, Enio Rodrigues da Rosa, o membro da Coordenação da Política Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria de Desenvolvimento Social e Família do Estado, Roberto Leite, e o representante da população, Ricardo Mesquita, abordaram o tema sob a perspectiva da pessoa com deficiência.

Os participantes concordaram que o sistema não é acessível, por exemplo, para pessoas cegas ou com problemas de mobilidade. Roberto Leite citou o exemplo de uma pessoa com deficiência física. “Muitas estações tubos não têm nem plataforma elevatória e nem rampa. Como a pessoa sai dessa estação? E quando não tivermos mais cobradores? Quem vai ser responsável por isso?”, indagou Leite. “Na elaboração do edital, olhem a Lei da Mobilidade. Todas trazem as obrigações que devem ser cumpridas”, completou ele.

Participações

Também estiveram presentes na discussão vereadores de Curitiba. O vereador Herivelto Oliveira falou sobre a experiência da tarifa zero em outros municípios do país. Já a vereadora Giorgia Prates abordou, entre outros temas, a dificuldade da população da periferia ter acesso a um transporte público de qualidade. Por fim, o vereador Marcos Vieira frisou que o encerramento do contrato permite a elaboração de um novo modelo que poderá fazer a diferença na vida das pessoas. Ele também reforçou que em muitos pontos o transporte coletivo da capital não possui acessibilidade a pessoa com deficiência.

A militante do Movimento de Trabalhadores por Direitos da Frente Tarifa Zero Curitiba, Ana Clara Nunes, reforçou que a tarifa zero oferece às pessoas o acesso a outros direitos, como educação, saúde e trabalho. O professor Lafaiete Neves, aposentado do Departamento de Economia da UFPR e especialista em transporte público também participou do debate.

Fonte: Imprensa/ALEP

Deixe um comentário